Textos

Eu Uso Óculos



Usava lentes de contato e, ao final do dia, sentia-me péssima, a aparência cansada, os olhos vermelhos. Como, depois da cirurgia de miopia e astigmatismo, eu praticamente só tinha necessidade da correção visual para dirigir, resolvi abolir as lentes e fazer óculos novos, com lentes transiction que mudam de cor para se adequar à luminosidade do ambiente. O problema é que, durante o dia, ao entrar na garagem do prédio onde morava, a transição das lentes de "escuro breu total" para "incolor claro cristal" levava muito mais tempo do que eu para alcançar a vaga. E sempre tinha gente atrás de mim, não dava para ficar esperando. Das duas, uma: ou estacionava o carro na vaga apertadinha sem os óculos ou com eles ainda muito escuros. Resultado: não ficava mais com os olhos tão vermelhos... mas o meu carro estava todo arranhado.
Quem acabou com esse impasse foi a Diana, uma das minhas
cadelinhas. Uma noite, com jogo marcado para a madrugada seguinte, quis dormir cedo e deixei tudo prontinho sobre a mesa da sala de jantar, os óculos bem por cima. Fui acordada algum tempo depois por um barulho característico: cronch, cronch. Pensei comigo: cronch cronch não é legal! Apalpei o colchão até alcançar a cabeça dela, e, em sua boca, meus óculos, destruídos. Nós já desconfiávamos de que ela subia na mesa mas... Ressuscitei meus óculos velhos, um claro e um escuro, e o problema das garagens virou coisa do passado.

Virei "quatro olhos" aos oito anos de idade. Era pra ter usado aparelho nos dentes também, mas acho que seria um impacto muito grande na auto-estima de uma pobre garotinha, meus pais tiveram piedade. Agora não uso mais óculos todo o tempo, mas o sorriso meio torto me faz pensar se, afinal, uma terapiazinha para recuperar a auto-estima não teria sido um preço justo.
De qualquer modo, os óculos incomodaram-me por anos. Meu pai tinha mal de Parkinson e eu o acompanhei a alguns curandeiros e rezadores na esperança de alguma melhora. Depois de rezar e pedir por ele, rezava e pedia por mim também, pelos meus olhos, para que Deus me curasse do astigmatismo. Para o papai minhas preces e fé não tiveram muito efeito. Para mim, somente muitos anos depois, quando fiz a cirurgia. As cirurgias.
A primeira delas, no bisturi, eu e o marido fizemos juntos. Estávamos empolgadíssimos até assinarmos o termo de responsabilidade em que assumíamos os riscos pelo fracasso da cirurgia, dentre eles, a cegueira. Na sala de espera do centro cirúrgico, vestidos com touca, camisolinha e sapatinhos de pano, virei pra ele:
- Vamos fugir?
Ele sorriu amarelo e meio tenso, assim como os outros pacientes que esperavam conosco. É engraçado o esquema dessa cirurgia, parece linha de produção... uma enfermeira nos prepara, a outra nos anestesia, o médico opera, um outro refaz os exames... tudo em cerca de trinta minutos. É Ford!
Fizemos a cirurgia. O maridão, sortudo, foi liberado logo em seguida. Eu, ao ser reexaminada, tive que voltar para um retoque. Como a anestesia é apenas local e de efeito curto, pude sentir a segunda intervenção. Delícia! Diz que, de graça, até injeção no nervo do olho? Pois eu pagava para não passar por isso de novo. Ai!

No táxi, a caminho de casa, parecíamos duas crianças recém alfabetizadas, um tentando mostrar ao outro que conseguia ler mais, os cartazes mais distantes, as letras mais miúdas.

Pouco depois, nos submetemos à cirurgia a laser, para eliminar a miopia residual. Sim! O astigmatismo degenera para uma miopia residual.
Mas esta outra cirurgia foi bem melhor. Tirando o cheiro de cabelo queimado e a aflitiva certeza de que esse cheiro vinha de mim, essa foi muito fácil e tranqüila.
Feliz, comemorei o resultado dos exames na consulta de avaliação: zero grau! Curada! Obrigada, Senhor!
Porém, a cirurgia de correção visual consiste em provocar lesões na retina e conseguir, com o retesamento provocado pelas cicatrizes, uma maior acuidade visual. O problema é que tenho uma ótima cicatrização e, mesmo depois de repetir a cirurgia no bisturi, acabei ficando com cerca de dois graus de astigmatismo. Pouco para quem já havia beirado os sete mas, por causa deles, não pude dispensar os óculos.

Felizmente, uso-os apenas para dirigir e jogar, aproveitando cada minutinho de vida livre deles. E tenho que aproveitar mesmo! Afinal, já passei dos quarenta, não demora muito para que a vista cansada chegue e o braço comece a ficar curto demais... Quando isso acontecer, provavelmente terei que usar bifocais, já que ainda há os dois graus. Não lamento! Poderia ser pior: eu tenho uma amiga que, aos quarenta e cinco, foi obrigada a usar aparelho nos dentes. Pare para pensar: bifocais e aparelho nos dentes. Acrescente a este quadro os cabelos brancos, as rugas e a menopausa.

Haja terapia para superar tudo isso!
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 19/05/2008
Alterado em 02/03/2010


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