Textos

Piadas
Eu sou uma piadista. Herança paterna: meu pai deveria ter sido humorista. Durante toda a sua vida nos brindou com divertidas piadas de salão. Não era um vasto repertório e, às vezes, ele se repetia, contando a mesma anedota várias vezes, mas ele também era muito espirituoso, brindando-nos com frases divertidas a qualquer tempo. Para se ter uma idéia, minutos antes de entrar no centro cirúrgico para submeter-se a uma intervenção arriscada no cérebro, brincou com a enfermeira que veio prepará-lo. Ela, bem séria:
- O senhor tem 67 anos, não é? - ele, doente há anos, parecia ter bem mais.
- Tenho sim, filha, mas não espalha. As fãs, sabe como é...
Se meu pai tivesse seguido a carreira apontada pelo seu senso de humor, ele seria um humorista elegante, um Aparício Torelly. Nunca ouvi um palavrão proferido por ele. Nem mesmo um "merda"... Também não contava anedotas de cunho sexual ou preconceituoso. Um cavalheiro.
Eu herdei o humor e um pouco da espirituosidade. Não a elegância. Desbocada, escrachada e com um vasto repertório de piadas grosseiras, embora engraçadíssimas, creio que eu o faço rolar na tumba cada vez que conto alguma delas. Às vezes, em respeito a ele ou quando há crianças no recinto, faço adaptações suavizantes, mas precisaria de muito botox para garantir algum eufemismo no Ary Toledo ou no Costinha. E, vamos e convenhamos, botox pode até melhorar a aparência mas fica tudo tão inexpressivo...
Para lembrar coisas importantes como a matéria da prova ou a data de pagar aquela conta, minha cabeça é uma piada! Mas, para acessar nos arquivos do inútil humorístico, ela é prodigiosa. Lembro uma vez em que passamos a tarde num barzinho, eu e mais quatro amigos, contando piadas, em carreirinha. Quando um terminava uma o outro já começava a outra:
- Ah! esta freirinha que você falou aí, entrou num bar e... - e emendava a da freirinha no bar.
- Pois esta freirinha viajou com o padre - e o desfile de piadas religiosas prosseguia...
- Então? A freirinha viu  uma loira no restaurante... - e tome piadas da loira.
- Já o garçon, que não era muito chegado... - e os homossexuais entravam na berlinda.
Abre parênteses.
Nessa ocasião, presenciei o que o José Simão chamaria de piada pronta. Eu chamo de presença de espírito e, alguém um pouco menos metido a besta diria apenas ter sido uma resposta "na lata".
Na mesa ao lado, havia um grupo de rapazes. Passou uma moça bonita e, um deles, criativo como uma ostra:
- Humm! Que tesão...
Ela olhou para ele:
- É? Dá que passa!
E seguiu seu rumo sem parar para prestar atenção na gozação que o coitado teve que agüentar por pelo menos uns vinte minutos.
Fecha parênteses.
Com o advento da internet, meu repertório explodiu. Às vezes, lamento, quase deprimida: todas as piadas do mundo já circularam pelo meu e-mail, não há mais piada nova. Aí, aparece umazinha, para renovar o meu humor.
Já as velharias, estas são freqüentes e, diariamente, somos brindados com três ou quatro, às vezes recicladas. A que era machista vira feminista, a de português agora é de loira, a que era contra o PSDB surge amarrotada contra o PT... Meu pai as receberia com acenos educados e, ao ser perguntado sobre o porquê desses gestos, responderia:
- Nada, não... apenas cumprimentando velhas conhecidas...
Gosto delas. Algumas são tão geniais que merecem mesmo ser contadas e recontadas à exaustão.
Mas, cá entre nós... precisava transformar em pps???
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 26/04/2008
Alterado em 13/02/2010


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