A Fila Andou
Carregava pesadamente o fardo de um amor não correspondido, os ombros arqueados, olhos no chão, fazendo uma enorme força para mantê-lo às costas.
Andava cabisbaixa, sorumbática, desanimada com tudo.
O trabalho, antes tão desafiador, tornara-se tedioso. Difícil manter a concentração. Estava envergonhada pois percebia que não produzia mais a metade do que era capaz. Ao contrário, pensava que precisava ser chicoteada ao som de um bumbo para conseguir manter algum ritmo no desempenho. Como chicote e bumbo haviam sido abolidos do ambiente de trabalho há alguns séculos dos séculos, amém, perambulava ébria entre um dever e outro.
Além do trabalho, seus outros interesses tornaram-se completamente desinteressantes.
Faltava às aulas de tênis. A despeito da fama, justíssima, de madrugadora, de sempre acordar com as galinhas, de ter o hábito de ir lá cutucar o galo para que ele anunciasse a alvorada, simplesmente não conseguia sair da cama a tempo.
Também não queria ir à ioga. Lucubrava os mais variados motivos. Não que não gostasse da ioga. O problema era a meditação. Temia, aqueles quinze minutos finais, em que ficava sozinha consigo e com seus pensamentos, que a levavam, inevitavelmente e em carreirinha, rumo a ele, ao ingrato objeto de seu amor.
Finalmente, resolveu dar um basta. Não podia mais viver nessa prostração, nessa amargura. Ouviu a expressão: "a fila anda", demorou a entender seu significado mas, quando o fez, decidiu-se a fazer a fila andar. Uma grande paixão só se cura com outra.
Na busca, encontrou. Não foi amor à primeira vista. Precisou acostumar-se, deixar-se envolver, às vezes forçosamente, uma vez que seu coração ainda encontrava-se preso à velha ilusão. Com o tempo, percebia que seu pensamento se dividia entre o velho e o novo que, aos poucos, ia ganhando mais e mais espaço.
Num determinado dia, ela pode, finalmente, bradar, a plenos pulmões, embora um tanto desafinada e, definitivamente, fora do compasso: a fila andou.
Foi assim que ela desistiu da música e se apaixonou, de vez, pela literatura.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 24/04/2008
Alterado em 24/04/2008