O Golpe da Mega Sena
Quinta-feira, dia de conferir o jogo da Mega Sena. Sílvio, o caixa, anotou o resultado para que o gerente, Elísio, conferisse, à volta do almoço, o resultado do bolão envolvendo todos os empregados da agência. Muita gente para dividir, mas o prêmio, acumulado há semanas, era suficiente para muitos sonhos.
Sílvio era um sujeito divertido, dado a aprontações e trotes, nem sempre bem compreendidos. Uma vez, caminhando com Edivânia, uma das colegas, na rua, pararam no semáforo fechado. Um carro passou rapidamente, levantando poeira. Ela, de lentes de contato, teve os olhos atingidos por algumas partículas de terra e sujeira. O lacrimejamento inevitável, ela parecia mesmo estar aos prantos. Sílvio, ao ver a cena, abraçou-a, ternamente e, enquanto a ajudava a atravessar a rua, falou, em tom suficientemente alto para que todos os passantes ouvissem:
- Não fica assim. Eu vou assumir. Só não quero casar!
Ela não achou a menor graça e só não bateu nele porque não conseguia vê-lo com os olhos inchados. Mas, ficou uns três dias sem dirigir-lhe a palavra, só voltando às boas depois que Elísio intercedeu por ele.
Este foi um de seus momentos de espirituosidade oportunista. O que ele gostava mais era de pregar peças: na agência havia uma copa com fogão, geladeira. Eles se cotizavam para comprar itens para lanches, ingredientes para bolos e biscoitos que a dona Vilma fazia muito bem. Pois Sílvio durante dias, comeu ovos sem quebrá-los, retirando clara e gema por um furinho no fundo, deixando a casca oca no lugar. Comprou os demais ingredientes e pediu, então, à dona Vilma para fazer um bolo, deixou todo mundo alvoroçado, só pelo prazer de ver a cara dela e dos colegas quando achassem as cascas vazias. O mesmo prazer que sentia quando, antes da abertura das portas da agência, gritava para todos ouvirem e desejarem:
- De quem é aquele(a) sorvete/caixa de bombom/pão de queijo lá na copa? Pode comer?
E ficava esperando alguém ir lá conferir que não havia sorvete/bombom/pão de queijo algum, para poder zombar da decepção de todos depois.
Deste modo, Elísio deveria ter desconfiado, ao encontrar coincidência entre o resultado anotado por Sílvio e um dos jogos do bolão. Porém como era sempre ele quem anotava o resultado, não conteve a alegria:
- Ganhamos! GANHAM... - segurou o grito, ao perceber os olhares dos clientes, na fila. Deu-se conta de que a agência estava lotada, naquele início da tarde, mas queria extravasar a alegria e ficou agitando os braços ao lado do corpo, como criança querendo limpar as mãos na roupa nova que a mãe recomendou que não sujasse. E gritando sussurrado:
- Ganhamos! Nós ganhamos!
Todos já sabiam do trote e ficavam fazendo caras de "não estou entendendo nada", para aumentar sua aflição. Foi justamente Sílvio quem entregou a brincadeira, caindo na gargalhada ao ver o chefe desesperado para se fazer entender.
- SÍLVIO!! VOCÊ NÃO FEZ ISSO COMIGO!! - gritou ele, ignorando os clientes que também já riam, sem nem saber muito porquê.
Conformado por ter caído no golpe, Elísio também riu. Quem entrasse na agência naquele instante, pensaria ser um caso raro de loucura coletiva ou um ataque do Coringa (lembra? do Batmam?), com seu gás hilariante.
Apesar das traquinagens, Sílvio era amado por todos. Ele tinha por hábito se redimir logo após as brincadeiras. No dia do bolo, depois de se divertir muito às custas dos outros, retirou da mochila uma caixa de ovos e permitiu à Dona Vilma que concluísse sua receita. Também costumava aparecer, no mesmo dia em que atiçava os colegas, com sorvete, bombom ou pão de queijo para dividir com todos.
Não pode fazer isso no dia da Mega Sena. Ainda assim, ninguém ficou zangado. Nunca se riu tanto numa agência bancária quanto naquela quinta-feira.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 15/04/2008
Alterado em 27/05/2009