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Botando a Mãe no Meio


Minha mãe dizia: "brincadeira de homem cheira a defunto". Na época de minha mãe isso fazia sentido. Honra lavava-se com sangue. Hoje, afrancesaram os costumes e nem se usa lavar mais nada. Às partes muito encardidas ou que já começam a cheirar mal, esfrega-se um lencinho embebido em água de colônia e pronto. Não limpa nada, continua recendendo a esgoto, mas ninguém está nem aí.

E por falar em mãe, foi-se o tempo em que essa senhora simpática, ou rabugenta como a minha, era respeitada e recebia, quase ao mesmo tempo que o resultado positivo no exame de gravidez, um título de beatificação. Eu nunca vi um desses, mas devia ser impresso em letras douradas sobre papel couché rosado, de alta gramatura. Aliás, queria ver um sujeito ficar macho, bastava botar a mãe no meio. Era briga de foice no escuro, sobrava pra todo mundo.

Depois, veio o futebol, ou, pior para elas, os juízes de futebol. Onze mães em dez são capazes de sugerir empregos mais perigosos ou humilhantes a seus filhos, inclusive o magistério(!), se eles começarem a almejar essa carreira.

E os políticos? Qualquer mãe e até alguns pais e irmãos vão fazer de tudo para demover uma criança dessa ambição. Pena que nem todos conseguem e os há, aos montes, para vilipendiar a pobre figura materna. Não satisfeitos em destruir a dignidade e paz de suas próprias genitoras, também achacam sem pudores, toda a reputação anteriormente ilibada de nossa amada, idolatrada - salve! salve! - pátria mãe.

Entre amigos, então, a coisa fugiu do controle. Perde-se o amigo, o emprego e o casamento, mas não se perde a oportunidade da brincadeira:

- Sapatinho feio, esse seu, hein?
- Presente da sua mãe, aquela gostosa!

- Tu tá gordo, cara!
- Sua mãe não acha...

E por aí vai... Felizmente, elas costumam ignorar essas referências à sua nobre pessoa em tais diálogos maledicentes, até o dia em que o Joca foi almoçar na casa do Luiz.

Um ambiente agradável, Dona Laura é mesmo uma senhora simpática, serve um feijão bem temperado, com arroz muito branco e soltinho, salada, bife e batata frita, diga-se de passagem, melhor que a do Mc Donalds. Estão todos à mesa e Luiz só espera o amigo colocar uma grande garfada de comida na boca para anunciar:
- Ah, mãe... Esse é o meu amigo que fica dizendo por aí que ó - e faz o gesto característico - na senhora.
Joca arregala os olhos, engasga-se, não consegue respirar.
Dona Laura, já avisada da brincadeira, não se altera:
- É mesmo, filho? E como é isso?
Luiz ri, Joca tosse, desesperado. No meio da completa afasia, ainda analisa as possíveis rotas de fuga. Dona Laura vem ao seu socorro, dá-lhe umas palmadas nas costas até o sufocamento passar.
Ele tenta se desculpar, argumentar, desmentir o amigo, mas sua voz desaparece sob as gargalhadas de Luiz e sua mãe.

Esta última, literalmente vingada, sabe que, por algum tempo, Joca não xingará mais a mãe de ninguém.
Só por algum tempo: sábado já tem jogo pelo Brasileirão e na outra semana começa o horário eleitoral gratuito.

Imagem daqui.

Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 11/04/2008
Alterado em 31/08/2010


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