Não Grita!
Isabela devia ter uns doze anos, talvez menos, quando a filha da vizinha a convidou para ir ao Play Center que estava de passagem pela cidade. Havia brinquedos incríveis: tobogã, montanha russa, cinema de 180º e o Enterprise, famoso, temido e muito elogiado. Ela estava mesmo louca pra ir e agarrou a oportunidade com unhas, dentes e o seu melhor olhar de cachorro pidão para convencer a mãe a dar a autorização. Iriam seis pessoas, cinco meninas e um rapaz. Todos os outros tinham mais idade que ela, dois eram maiores de idade, Rafael inclusive. Sendo a mascotinha do grupo, foi paparicada todo o tempo. Imagina-se o quanto os outros ouviram de sua mãe e das suas próprias mães para que cuidassem dela. Porém, eles não tentaram impedi-la de ir em nenhum dos brinquedos e ela aproveitou cada um deles ao máximo. Até chegarem ao Enterprise. Na fila, começaram as preocupações, principalmente das outras meninas.
- Melhor ela não ir...
- Mas, eu quero ir!
- É! É perigoso!
- Bobagem!
- Também acho! Deixa eu ir!
- A gente divide. Nós duas ficamos com ela enquanto vocês vão, depois a gente troca...
- Eu quero ir... ali diz que você tem que ser dessa altura pra ir e eu sou!
- Mas é perigoso!
Quase na vez deles e, para piorar, do grupo que desembarca do brinquedo, uma mulher sai cambaleante e quase cai, sendo amparada por seu acompanhante. Em seguida, vomita.
A discussão recomeça, vai, não vai, quero ir, até que alguém tem a idéia de que ela vai, desde que divida o carrinho com o Rafael. Para quem não sabe, o Enterprise é um brinquedo onde até duas pessoas entram numa cabine toda fechada e sentam-se num cavalete acolchoado, uma perna para cada lado. Essa cabine é fixa num grande carrossel que gira, cada vez mais rápido num eixo central, provocando sua inclinação até que ela fique completamente paralela ao chão. Num determinado momento, também o carrossel se inclina e as cabines ficam quase de cabeça para baixo.
A solução de ir com o Rafael não lhe parece ideal, mas, diante da outra alternativa - não ir - ela aceita de bom grado. Quando chega sua vez, ela senta-se sobre o cavalete, ele senta-se à sua frente e diz:
- Bela, não grita, tá?
- Tá bom, não vou gritar.
Mais uns instantes:
- Bela, não grita, não, hein?
- Tá bom!
Quando o empregado do parque vem prender a trava de segurança:
- Moço, diz a ela pra não gritar...
- Ela já é uma mocinha... Não vai gritar, não. Né? - diz o rapaz, simpático.
- Não!
O brinquedo começa a movimentar-se:
- Bela...
- Já sei! Não vou gritar!!
Um pouco mais rápido:
- Bela, tá acelerando... Não grita, viu?
- Pára, Rafa! Eu já disse que não vou gritar.
A cabine inclina-se:
- Bela?
- Aff!
- Grita, Bela! Grita! Uaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 07/04/2008
Alterado em 23/02/2012