O Fantasma da Luz Vermelha
Quase duas da manhã e ela deitada, sob a luz suave de um abajour, lia Anne Rice: Taltos. É uma história de terror, sobre bruxas e seres demoníacos que as seduzem para a perpetuação de sua espécie, pois apenas feiticeiras de linhagem nobre seriam capazes de conceber suas crias. No meio de um diálogo dos mais tensos, a forte vontade de ir ao banheiro já estava insuportável, ela se deu conta de que estava lendo há horas e lembrou-se de que precisava dormir.
Levantou-se silenciosamente e encaminhou-se para a porta do banheiro. Estacou, curiosa. À sua frente, num canto mais escuro do quarto, uma pequena luz vermelha pareceu acompanhar seus movimentos. Ao parar, a luz parou também. Voltou a caminhar e a luz a seguiu. Estacou de novo, um ligeiro arrepio na nuca. Deu um passo para a direita, para a direita a luz foi. Um passo à esquerda e novamente, o pequeno vagalume vermelho a seguiu. O ligeiro arrepio transformou-se num calafrio.
Embora, racionalmente, soubesse que haveria uma explicação científica para a incômoda presença em seu quarto, a tensão vivida há instantes nas páginas bem escritas pela autora de "Entrevista com o Vampiro" criavam todo um clima de mistério do qual ela não conseguia furtar-se.
Deu um passo atrás e a luz afastou-se. Procurou organizar os fatos. Naquele canto do quarto estava a televisão. Talvez algum led acesso fosse o autor da façanha. Ótima explicação, exceto pelo fato de que se assim o fosse, o led estaria lá, paradinho, e não divertindo-se às custas dela nessa dança macabra.
Agora, decidida a acabar com o mistério, caminhou na direção da luz. Ela desapareceu. "Isso não está bom!" pensou, realmente assustada. Novo passo atrás e a luz voltou. Um passo a frente e ela desapareceu novamente. Quem a visse dançar assim, em plena madrugada, no escuro do quarto, pensaria ser caso de internação. Ela mesma já começava a achar. Andava lendo muito Stephen King, Alan Poe e até alguma coisa de Lovecraft ultimamente, talvez fosse melhor voltar às poesias, Cecília Meirelles, Cora Coralina, quem sabe um divertido Jô Soares?
Novo passo à frente e a luz escafedeu-se. Mas, desta vez, deixou rastro. Os olhos mais acostumados ao breu, ela percebeu que a luz não fugia simplesmente, mas era escondida por uma sombra.
Uma sombra quase humana que aumentava ao seu avanço, diminuia quando ela se afastava.
Uma grande sombra ridiculamente amedontrada que dançava no escuro: a sua própria sombra que impedia os números vermelhos do rádio-relógio de refletirem-se no cantinho da tela do televisor.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 06/04/2008
Alterado em 31/01/2010