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É o Amor que nos Torna Humanos


Deitada na bóia colorida ela fazia a volta suave sobre a água artificialmente limpa e movimentada da Correnteza Encantanda, no Beach Park. O passeio era tedioso, mas seguro. E ela, cansada das aventuras radicais, decidiu ali permanecer, sozinha, preguiçosa, inerte, razoavelmente feliz. De repente, chocando-se com uma outra bóia ela se vê lançada para fora de seu rumo. Aliás, seguem os dois, em suas bóias coloridas por um saída oculta que os conduz a um local paradisíaco, habitado pelos mais lindos pássaros e peixes, ornado pelas mais explêndidas flores. Encantada, ela mal olha para o ocupante da outra bóia. Encontra-se extasiada pelas novas descobertas, pelas novas possibilidades de diversão ocultas neste inexplorado recôndido do parque, talvez exclusivo aos clientes mais especiais.
Este foi seu maior erro. Vê-lo depois do extasiar-se pela paisagem e por suas fantasias românticas mais secretas foi desastroso. Vulnerável pelo feitiço do Éden, ela só vê o quanto ele é lindo, sensual, atraente enquanto a observa, sincero e cheio de ternura. Ela sabe-o causador de seu desvio. Entende que precisam retornar com suas bóias ao riachinho de águas mornas de onde sairam, mas rende-se sem luta à fascinação do momento e seu companheiro de viagem sabe mesmo como conduzi-la pelo labirinto de água e sedução.
Ela deixa-se conduzir a uma ilha e, sob a sombra de uma árvore, amam-se. Apaixonadamente.
Neste momento de completa entrega e enlevo, ele, então se revela, aos poucos. Primeiro, um forte odor de maresia. Ela acha normal: estão próximos ao mar. Depois, sente, na aspereza de sua pele, a presença de escamas. Sorri, sugere que saiam do sol ou renovem os protetores solares. Porém, quando observa melhor seus grandes olhos vidrados, entende que aquele ser não é humano. Eles a observam vazios de sentimentos. Apenas o desejo, o egoísta desejo, agora satisfeito. E ele lhe exibe um sorriso vitorioso, sarcastico, antes de desaparecer saltando de volta à água, completamente transformado em peixe.

Neste momento ela acorda, assustada pelo grito de crianças. Olha em volta, como a procurá-lo, para perceber que está novamente no riachinho de águas tépidas e seguras (?). Os autores da algazarra que a despertou passam por ela e sorriem. Ela corresponde ao cumprimento, num pouco convicto esgar dos lábios. Carrega no coração a dor de não poder viver o que poderia ter sido e o alívio de que tudo não tenha passado de um sonho.

No ventre, porém, uma nova vida começa a se formar. No início, ao descobrir-se grávida do monstro, irá odiar-se e à criança que carrega consigo. Depois, entenderá que, num último gesto desesperado, ele a escolheu dentre tantas para lançar a sua semente, porque sentiu seu coração transbordante de amor. Um amor que ela legaria ao seu filho. Ele sabia que essa era sua última esperança, a única forma possível de se tornar, definitivamente, humano.

Imagem daqui.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 03/04/2008
Alterado em 15/09/2010


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