Antígona
Conheci Antígona numa festa. Linda! Apaixonei-me de imediato. Também, num átimo percebi que não seria muito fácil aproximar-me. Assim que chegou, foi cercada de fãs, mulheres e homens, a quem tratava com igual atenção e carinho. Contava histórias e piadas, cantava, dançava. Ela era um sol, cercada por planetas miúdos e apagados, aos quais eu invejava, pois estavam próximos a ela, recebendo seu calor, enquanto eu estava ali, afundando num sofá, admirando-a de longe.
Dias depois a encontrei na rua. Parecia ter problemas com o carro. Aproximei-me, oferecendo ajuda. Ela recusou, educadamente. Lembrei-a de que nos havíamos conhecido na festa e seu rosto iluminou-se. Ainda assim recusou minha ajuda. Já havia contatado a assistência técnica da seguradora e precisava esperá-los. Ofereci-me então para lhe fazer companhia. Ela sorriu, um sorriso lindo de "já entendi tudo", mas, para minha felicidade, aceitou. Ficamos conversando. Foi quando soube seu nome:
- Antígona.
- Antígona?
- Sim. Este é meu nome.
- Diferente...
Ela riu.
- Não precisa de eufemismo. É feio, mesmo... É difícil imaginar um pai enrodilhado em volta da barriga da esposa, murmurando, carinhoso para o bebê que eles esperam: "vai se chamar Antígona!"...
Sorri concordando.
- Não foi assim que aconteceu, mesmo. Meu nome tem uma razão que não é apenas o mau gosto do papai. E a minha espera também não foi assim, poética e romântica como é a da maioria dos bebês.
- Se você não quiser falar sobre isso...
- Oh! Não... Não há problema nenhum em lhe falar sobre isso. Já houve. Hoje não. Você sabe quem foi Antígona?
Confessei minha ignorância:
- Uma deusa grega?
Ela riu, divertida.
- Não! Não era uma deusa grega. Mas você chegou bem perto. Antígona era filha de Édipo. Lembra? O Édipo, que casou com a mãe?
Lembrei.
- Pois é. Antígona foi condenada pelo tio, Creonte, a ser enterrada viva por ter desobedecido sua ordem e realizado os ritos fúnebres para o irmão, Polinice. Naquela época, o morto que não recebesse os rituais, estaria condenado a vagar por cem anos sem alcançar o paraíso. Pensa! Pior do que a pena de morte...
- Ele já estava morto mesmo...
Ela prosseguiu, ignorando minha interrupção:
- É bem tragédia grega... tem mais, morre mais um monte de gente, mas, resumindo, tudo isso tem a haver com a minha linda pessoinha, porque, por causa do seu feito, Antígona passa a ser considerada o maior símbolo do amor fraterno em toda a história.
Eu estava cada vez mais intrigado.
- Meu irmão tinha uma doença degenerativa do sangue. A solução seria um transplante de medula, mas era difícil conseguir um doador compatível, que não fosse um parente. Meus pais viveram por anos em função dele e, com isso, o casamento acabou. Um dia, ele teve uma crise forte e os médicos disseram que ele morreria em no máximo um ano, se não conseguissem o transplante. Então, apesar de já estarem separados e não sentirem mais nada um pelo outro, eles resolveram arranjar um irmãozinho pra ele.
- Ah!
- Assim, numa bela tarde de sábado, eu nasci. Minha mãe queria me chamar de Ana Clara. Eu teria gostado bem mais. Mas meu pai, professor de história da arte, foi taxativo e me deu esse nominho bonitinho pra ficar registrado que eu nascia com uma missão. Fizeram os exames e, constatada a compatibilidade, operaram o meu irmão. Porém, e toda tragédia grega tem um porém, houve rejeição e ele morreu.
- Poxa! Sinto muito...
- Ih! Não se preocupe... Eu nunca o conheci realmente... Só sinto mesmo pelo que isso significou na minha vida depois.
Arqueei a sobrancelha, curioso.
- Oh! Sim! É claro que teve conseqüências... Eu ainda nem abria os olhos e já havia falhado na minha missão de vida. Isso me marcou pra sempre...
Ela riu. Eu a acompanhei.
- É sério! – ela completou, rindo ainda mais – Até hoje, quando confrontada com alguma responsabilidade, fujo, com medo do fracasso. Já escapei de muito dever de casa por isso...
Achei que ela estava brincando e depois dessa vez, nunca mais tocamos neste assunto. Trocamos telefones, começamos a sair e, um dia, depois de fazermos amor, disse a ela o quanto ela era importante pra mim, disse-lhe o quanto eu a amava e quanto era feliz ao lado dela. Uma sombra percorreu seus olhos, na hora não entendi bem por quê.
Só depois, a ficha caiu. Deve ter-lhe parecido muita responsabilidade.
Antígona desapareceu, sem deixar vestígios.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 24/03/2008
Alterado em 28/06/2011