Escrever não é querer
É uma ânsia, é vício, é fé
Necessidade, angústia
É comichão na virilha
Coceira na planta do pé

Escrever é um dom e está na Bíblia
Deus nos cobra os dons que dá
E no dia do Juízo
Quem sabe escrever e não escreve
Vai ter muito o que explicar

Mas, oh, cruel paradoxo
Nesse talento arrasador
Pois quem escreve, inventa histórias
Se arvora ao Criador

Criar vidas, destino, razão
São dons exclusivos de Deus
E foi por essa ambição
Que foram expulsos do Éden
Eva, a cobra e Adão

Então veja em que enrascada
Meu amigo me deixou
Se não invisto em meus talentos
Serei cobrada por Deus
No dia do julgamento
Mas se escrevo e crio,
Faço nascer, crescer e morrer
Ser bom ou mal, ser feliz ou sofrer
Também está garantida
A minha punição final

Ah! Neste caso, então, pouco importa
Pois já de novo me exorta
Essa vontade fatal
Se é certa a condenação
Se é essa então, minha sina
Que seja por ter sentido
Mesmo que por instantes
Um pouco de ser divina.