Precisamos Conversar
O churrasco estava perfeito. Tomé vinha se superando nesta arte e todos estavam satisfeitos após o almoço farto. A conversa corria solta, quando Paulo pegou o violão e começou a tocar, formando uma rodinha de samba animada que parecia não ter mais hora para acabar. Porém, quando o por do sol lançou seus raios alaranjados sobre o prédio em frente ao grande terraço, o friozinho comum dessa época do ano foi espantando os convivas. Em poucos instantes, restaram apenas Tomé e Elisa, que iniciaram a pequena faxina, para levar de volta ao apartamento as sobras de comida, bebida e as louças. O cansaço do dia bem aproveitado foi se transformando em nervoso e, na terceira vez em que os dois se esbarraram em suas tarefas, ele estalou os beiços com impaciência, fazendo-a recuar, também irritada. E assim, os dois permaneceram até retornarem ao apartamento, onde ela jogou-se sobre uma poltrona, os braços cruzados, as pernas apoiadas na mesa de centro e ele espalhou-se no sofá, calados por alguns minutos.
- Você reparou – começou ela – que nas últimas semanas a gente quase não tem um momento de paz? Quando estamos sozinhos, ou estamos transando ou brigando.
Ele sabia que ela tinha razão. Havia sempre uma certa tensão no ar. Embora eles também estivessem fazendo muito amor.
Ela fez questão de ignorar o sorriso de ironia que ele lhe lançou e prosseguiu:
- Não sei se sou só eu que penso assim. Sei que você anda cansado, estressado com o trabalho, mas tudo o que eu faço ou deixo de fazer te irrita. Me sinto pisando em ovos.
Ele sorriu novamente, desta vez com visível sarcasmo e ela não pode ignorar:
- Por que o riso?
- Porque não é a primeira vez que você me diz isso. Você já usou essa expressão antes.
Ela exasperou-se:
- E o fato de eu ser repetitiva ou pouco criativa em minhas metáforas me tira a razão?
Ele deu de ombros, desinteressado:
- E o que você quer fazer a respeito?
Quero o divórcio, quero ir para a casa da minha mãe, acho que você tem que fazer terapia, acho que nós dois devemos fazer terapia, as alternativas iam passando por sua cabeça, até que ela lhe respondeu:
- Acho que devemos transar mais.
Ele olhou para ela surpreso, para deparar-se com aquele sorriso maroto pelo qual ele se apaixonara havia tantos anos. Aquela espirituosidade que o desconsertava, sempre com uma piadinha na ponta da língua. Ele não pode segurar o riso, acabando por contagiá-la e, em segundos, estavam ambos às gargalhadas.
Ele a chamou, abrindo espaço para ela no sofá:
- Senta aqui, vem...
Ela sentou-se ao lado dele, que a abraçou com carinho, provocando-lhe aquela sensação de aconchego perfeita para o transbordamento da alma e ela chorou. Chorou muito, soluçando, a cabeça apoiada sobre o ombro dele. Em seguida, levantou-se e olhou-o nos olhos, forçando um sorriso, enquanto encaminhava-se até o banheiro, dizendo:
- Não liga! Deve ser TPM.
Ele sorriu novamente, desta vez com ternura, enquanto a ouvia lavar o rosto. Quando ela retornou ao seu abraço, ainda estava com os olhos úmidos e assim permaneceram, por algum tempo.
Nesta noite, eles não brigaram.
Colocando para tocar os seus velhos discos de vinil, os dois sentaram-se na varanda, sob a linda lua cheia que no momento pairava solene e muito amarela quase em frente a eles. Conversaram muito, riram, compartilharam recordações e até dançaram um pouco, embora nenhum dos dois fosse muito bom nisso.
Nesta noite, eles não brigaram.
Preferiram a outra alternativa.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 10/03/2008
Alterado em 18/12/2009