O Casamento
Débora estava nervosa. As horas voavam e ela ainda no salão de beleza. Quando viu que o cabelo não ficou do jeito que queria, caiu no choro, estragando toda a maquiagem já pronta, o que a fez atrasar-se ainda mais. Ao chegar à igreja, padre e convidados já estavam meio irritados. Luís, o noivo, estava sentado ao pé do altar. Tentando apressar-se e, sem muito costume de usar salto alto, ao subir as escadarias torceu o pé.
Após horas angustiantes de cerimônia, fotos, cumprimentos, festa, mais cumprimentos, muito mais fotos, valsa, bolo, jantar, o pé inchando e doendo, foi com enorme prazer que ouviu o, agora seu marido, pronunciar o chavão: enfim sós, ao fechar a porta do quarto atrás de si. Sua primeira providência, tirar os sapatos e emplastrar o pé de gelol, que, felizmente, ele havia comprado na véspera.
Ah, sim! Este é mais um importante detalhe. Ela era virgem. De modo que Luís, preocupado em não causar-lhe nenhum desconforto, decidiu comprar uma bisnaga de vaselina. Na farmácia, diante de uma sisuda atendente, sentiu-se completamente constrangido e pediu:
- Me vê uma... uma...
A atendente aguardando. Ele olhou para a enorme prateleira cheia de medicamentos atrás dela, tentando enxergar o lubrificante para poder indicá-lo sem ter que dizer o que era:
- ... uma...
A vendedora deu umas pancadinhas com as unhas no balcão.
- ... uma... caixa de Aspirina.
Sem se virar, com um movimento muito rápido, ela pegou a caixinha no balcão e a depositou na cestinha azul:
- Mais alguma coisa?
Luís suava frio... Engasgado. Não sabia como pedir:
- Vê também um Listerine.
- Um fio dental.
- Um Gelol.
- Um xarope.
E, a cada pedido, como por mágica, as caixas coloridas e vidros reluzentes iam enchendo a cestinha, sem que a antipática senhora do balcão parecesse mover-se e deixar de encará-lo. Finalmente, ele respirou fundo, reuniu todas as forças e pediu, com um fio de voz:
- Tem vaselina?
A atendente, para seu desespero e pânico, gritou para o moço que atendia no outro balcão:
- Luciano, vê uma vaselina aí pro rapaz!
O outro atendente trouxe a caixinha branca, colocou-a sobre a pilha de remédios e perguntou:
- Mais alguma coisa?
Ele respondeu que não, completamente derrotado no que lhe restava de dignidade e correu para o caixa, carregando a cestinha com cuidado para que nada tombasse.
Mas, agora, tudo isso era passado. Estavam casados, sozinhos no quarto e finalmente, poderiam se entregar ao desejo que vinham controlando desde o início do namoro. Por imposição dela. Ele começou a despi-la, enquanto se beijavam apaixonadamente. Num determinado momento, ela pediu-lhe que apagasse a luz.
- Por quê? – perguntou ele, decepcionado. Queria poder vê-la, enquanto fariam amor.
Ela respondeu que estava envergonhada e insistiu. Não, caro leitor. Não estou sendo surreal. Isso aconteceu no início da década de oitenta. Portanto, altamente verossímil. Tão verossímil que o pobre Luís acatou o pedido e apagou as luzes, deixando o quarto iluminado apenas por um suave abajur, a um canto da cômoda. Continuaram as preliminares até que ambos já estavam completamente nus e ele a deitou delicadamente sobre a cama. Tateando no escuro, alcançou a bisnaga de vaselina, e espalhou uma generosa camada sobre “ele”. Para, em seguida, saltar da cama aos gritos, correndo para o banheiro, deixando-a confusa e assustada sobre a cama.
Ela ouvia os gemidos e o barulho da água, que ele parecia estar jogando por todo o banheiro e achou que deveria fazer alguma coisa. Foi quando se levantou para ajudá-lo e puxou o lençol para cobrir-se, que ouviu o barulho da pomada caindo no chão. Na penumbra, pode localizá-la e, aproximando-a do abajur, leu a embalagem. Não pode conter o riso. Ele havia pego a bisnaga de Gelol por engano. Sentindo ainda a ardência no pé, também besuntado com a pomada, imaginou o desconforto que ele estaria sentindo e resolveu ir até o banheiro. Parou na porta e perguntou se estava tudo bem. Ele já estava um pouco mais calmo, quando respondeu:
- Está, mas acho que você vai continuar virgem até amanhã.
E virou-se para que ela o visse, murchinho. Ela riu. Ele se irritou:
- Acho que vou é devolver você pros seus pais...
Ela sorriu. E deixou cair o lençol, exibindo seu corpo nu à luz forte e amarelada do banheiro, sorrindo, entre provocante e encabulada:
- Vai, é?
Ele arregalou os olhos, surpreso e feliz:
- Ou não, né?
E abraçando-a, levou-a de volta para a cama.
O resto eu não conto. Mas esse casal teve duas lindas filhas. A mais velha nasceu a exatos nove meses desse dia.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 10/03/2008
Alterado em 15/12/2009