Autocrítica
Observo minha mão, cheia de anéis
E percebo o meu suave existir
Introspecta
Boa funcionária...
E eu?
Me adaptei de tal forma à multidão
Que hoje não sei qual deles eu sou
Sei que não vivo
Eu me controlo
Não sonho nunca
Pra nunca ter sonhos a concretizar
Nunca expresso o que sinto
Pra nunca dizer bobagens
Vigiei tanto meu corpo
Para que não transbordasse a alma
Que agora, a alma se afoga
E eu não posso chorar
Tenho medo até do meu riso
Que tornei humilde, discreto
Pra não me tornar vulgar
Eu sou a princesa
De uma realeza falida
Que mantém soberania
Somente sobre seus próprios arroubos
Essa princesa não tem sexo
Só medo
De perder um reino
Que nunca tentou conquistar
E, quando a bruxa má
Isolou-a no alto da torre
Ela aceitou
Submissa
Cortou as tranças para que o príncipe não subisse
Essa princesa é mais plebéia
Do que o mais vil súdito
Do reino guilhotinado de seu pai
E ela não beijou o sapo
Com medo de virar um anfíbio também
Essa princesa donzela
Cuja mão foi oferecida
Ao garboso cavalheiro
Que matasse o dragão
Quer ser puta
E gente grande
E diminuir
E virar criança
E
De puras brincadeiras
Voltar pura e insatisfeita
Ao mundo escuro do interior da mãe
E lá
Ser abortada
Sem nunca ter visto a luz...
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 08/03/2008
Alterado em 10/06/2010