Textos



Prefiro os Cachorros

- Lembrei tanto de vocês no findi…

- Foi, Helena? Por quê?

- A cadelinha do meu vizinho teve neném. Tão lindos! Tem um que é a cara do Fido.

- Ô, meu Fidinho… Saudades daquele gorducho!

- Pois é. Quase trouxe o bebê pra vocês.

- Nem, Helena! Tá doida!?

- Doida por um peludinho!

- Ué!? Adota ele, então!

- Quem dera! Mas, não dá. Ele ia ficar sozinho o dia todo. Tinha que ser aqui.

- Aqui, não, Helena! Dá muito trabalho.

- Pra mim, né, dona Zuleica!?

- Também. Quando você não está, sobra pra mim!

- Justo. Também aproveita sozinha a fofurice dele.

- Dá gasto, também, Helena.

- Usa o cartão corporativo.

- Ôxi! Tenho, não. E, mesmo que tivesse, né? Seria gasto pessoal!

- Que que tem? O presidente usou.

- Ex-presidente, Helena! Não me tira a alegria de lembrar sempre que é ex!

- Então? Ele usou. Diz que tinha gasto com pet, comida, remédio…

- Ele nunca soube diferenciar o público do privado. Sempre aproveitou as facilidades dos cargos que ocupou para benefício próprio. Quando deputado, embolsava auxílios como moradia e combustível, além dos salários dos assessores.

- As rachadinhas.

- Isso. Mas, o pior foi o uso de verba pública para bancar campanha. As tais motociatas eram inchadas por servidores públicos pagos com o nosso rico e suado dinheirinho.

- Jura!?

- Sim! Fora os saques em dinheiro feitos pelo Coronel Cid, que ninguém sabe para quê foram usados.

- Eita!

- Aliás, foi por causa disso que o Lula trocou o comandante do exército. Além dele ter peitado o Dino e a PM do DF no dia da baderna, não deixar prender ninguém na frente do QG, ainda não quis cancelar a promoção do ordenança do biroliro.

- Ah! Então foi isso? Achei que era só porque ele era bolsonarista.

- Bolsonarista quase todos são. O novo comandante é e é bom ficar de olho. Mas, pelo menos, se diz legalista. Fez um discurso bem enfático sobre o papel institucional das Forças Armadas.

- Tendi. Ah! E tu viu aquelas fotos horrorosas dos índios em pele e osso? Fiquei chocada! São venezuelanos, mesmo?

- Não, Helena! São sobreviventes de uma tentativa de extermínio. O EX presidente incentivou o garimpo nas terras Yanomami e tentava forçar os nativos a abrirem mão de sua cultura e, consequentemente, de seu território, em troca de ajuda do governo. Os garimpeiros são violentos, matam os índios, impedem a entrada de profissionais de saúde e assistência às aldeias e destroem a mata. Sem a caça, a pesca e a floresta, eles morrem de fome. E, ainda ficam sujeitos a doenças, muitas transmitidas pelos invasores.

- Mas, por que fazer uma maldade dessas?!

- Os militares sempre viram a população indígena como empecilho para o desenvolvimento do país. Eles quase dizimaram algumas etnias, na construção da Transamazônica. Ah! E eles também entendem que devem explorar as riquezas da floresta, custe o que custar. Se não fossem as cobranças internacionais, acho que nossos índios teriam o mesmo destino dos americanos, como o próprio capetão disse que devia ser.

- Credo, dona Zuleica! Como um cristão pode aceitar isso?

- Nem precisa ser cristão, Helena! Eu não canso de me decepcionar! Viu o que fizeram com aquela família aqui no DF? Por poder ou dinheiro são capazes de qualquer coisa.

- É…

- Às vezes, acho que a raça humana não deu muito certo, não, viu?

- Por isso prefiro os cachorros. Amanhã mesmo trago o Fido 2!

- Helena!

 


Texto publicado em minha coluna de hoje do Alô Brasília
https://alo.com.br/prefiro-os-cachorros/

Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 26/01/2023
Alterado em 26/01/2023


Comentários