- E aí? Como foi a posse?
- Nossa, Helena! Foi uma festa linda, apaixonante, alegre... Gente demais, gente feliz! Todas as raças e gêneros, crianças, idosos.,. A maioria usava vermelho, claro! Mas, também, branco e verde e amarelo. Muitos casais, alguns, homossexuais e uma maravilhosa sensação de acolhimento, amor e liberdade que há anos não sentíamos.
- Eu vi, na TV. Adorei a cachorrinha subindo a rampa.
- Não é? Coisa fofa! Mais uma quebra de protocolo… Lindo, o presidente recebendo a faixa de representantes do povo, sem a cara de tacho de um ex derrotado pra estragar o clima.
- Ai! Quase chorei.
- Eu me emocionei quando cantamos o hino e, também, quando tocaram “Tô voltando” enquanto o presidente se dirigia no carro aberto pro Planalto.
- Não conheço.
- É uma música do Chico Buarque. Remete à volta dos exilados políticos depois da ditadura. Inevitável a associação com o retorno do Lula, depois da prisão, da quase destruição do PT. Além da emoção, havia tensão no ar. Muita gente recomendou que ele não desfilasse de carro aberto, muito medo de um ataque.
- É. Eu tava orando pra dar tudo certo.
- Sua oração foi atendida. Com a ajuda de um grande esquema de segurança. Havia agentes monitorando tudo do alto dos Ministérios, em helicópteros, com drones. Ah! Derrubaram um drone.
- Da polícia?
- Não. Por questão de segurança, só estavam permitidos os equipamentos credenciados. Esse não estava. Podia ser de alguém do público ou de algum canal de TV, mas…
- Não dava pra arriscar, né?
- Não. Ah! Teve uma coisa que me incomodou.
- Foi? O quê?
- Num determinado momento, as pessoas à minha volta estavam repetindo coisas como “Lula, lula, guerreiro, meu herói”… Não lembro exatamente das palavras. Mas me senti desconfortável, como se estivesse no meio do gado, murmurando “mito, mito”.
- Ôxi! Mas ele é herói mesmo, não é?
- Ele superou muita coisa, sim, mas eu estava lá celebrando a vitória da democracia sobre um projeto de poder autoritário e fascistóide e não apenas a pessoa do novo presidente. Me incomoda essa paixão personalista. Isso é sintoma da falta de educação política, de senso crítico. Assim como os mínions na porta do quartel estão perdidos sem o capitão escafedido deles, se algo acontecer a Lula, essa gente talvez se agarre a qualquer outro caudilho que se apresentar. E se for de extrema-direita, novamente?
- Você tá me assustando.
- Veja… Lula está muito bem, mas é um homem idoso. Duvido que tente a reeleição. Então, temos quatro anos para seduzir essas pessoas com propostas, ideologia, para que novas lideranças progressistas surjam. Ou, qualquer errinho porá tudo a perder.
- Vira essa boca pra lá!
- Virei. A boa notícia é que o biroliro não estará disponível: ou seguirá foragido, ou estará preso.
- Você acha?
- Se depender do público lá na esplanada, gritando “sem anistia, sem anistia” quando o Lula falou do que passamos sob o jugo bolsonazista, tenho certeza.
- E depende?
- Infelizmente, não. O país está muito dividido e será necessário articular muito para ter governabilidade. Por outro lado, me preocupa o novo ministro da Defesa, passando a mão na cabeça de golpista na porta dos quartéis.
- Anhé?
- É. Disse que tem até amigos que são.
- Gente!
- Pois é. Acho que está fazendo muito o jogo dos malucos e dos milicos. Mas também já vi análises apontando que ele posa de tira bom, enquanto o Dino faz o tira mau, batendo na mesa e dando prazo pra palhaçada acabar.
- Tomara acabar logo. O irmão de um amigo do Roberto trabalha na vigilância sanitária, foi lá coletar água pra análise, teve que sair corrido.
- Eu vi isso. Um horror. As tais manifestações pacíficas. Depois, a imprensa quer que o Lula tente pacificar o país. Como, se o lado de lá ainda acredita que vai ter golpe? Você viu que o biroliro continua postando no face como se ainda estive no poder?
- Vi, não! E alguém acredita?
- Helena… Tem quem acredite que aquele gagá do seu xará é quem está na presidência, enquanto o STM dominou os tribunais todos…
- E a Terra…
- Pois é. Ainda, plana.
- Ai, ai!
Texto publicado na minha coluna de hoje do Alô Brasília