- Entendo esse povo, não.
- Oi?
- Ah, dona Zuleica... Tava vendo aqui essa notícia no zap, daquela atriz que deu o filho pra adoção.
- Coitada... Ela foi estuprada. Quis o bem do bebê.
- Tô falando dela, não. Tô falando dessa gente horrível que expôs a bichinha.
- Ah, sim! Isso, uma semana depois de vir a público a história da menina que queriam que esperasse o neném nascer, para "fazer uma família feliz".
- Pois é! Povo não sabe o que quer!
- Querem aparecer, ganhar audiência, cliques.
- E foi maltratada no hospital.
- Não interessa o que diz a lei, todo mundo, hoje, se acha no direito de julgar, condenar e punir.
- Será que se ela criasse o neném era diferente?
- Duvido! Todo mundo critira mãe solteira... O azar dela é ser mulher. Já não era fácil antes. Agora, então, com este governo misógino...
- Cruzes! Você viu o jeito que o coiso tratou a governadora lá na praia?
- Era a vice-governadora. Mandou ficar pra trás, pra não aparecer mais que ele. Dá pra ver que ela ficou bem irritada com a grosseria do troglodita, mas, depois, gravou um vídeo defendendo, bem fraco, nada convincente.
- Disseram que ela é nazista...
- Na verdade, ela é filha de um defensor do nazismo e, quando cobrada para se manifestar sobre as teses do pai, disse que preferia garantir a harmonia na família.
- Então, merece mesmo ficar na sombra.
- Pelo menos dá pra dizer que ele não age assim por puro machismo e sim porque é um estúpido mesmo pois já tem outros vídeos com ele fazendo grosseria para outros seguidores...
- Mas com mulher é pior.
- Ah, sim! Ele foi condenado em segunda instância a pagar indenização a uma repórter da Folha por comentários sexistas contra ela.
- Bem feito!
- E tem o escândalo de assédio sexual do presidente da Caixa, que é outro aliado muito próximo ao presidente, vinha sendo exibido nas lives de quinta como um trunfo por causa do pacote de bondades do Governo para tentar a reeleição, os saques emergenciais do FGTS, o auxílio Brasil...
- Aff! Chega logo, Lula.
- Ai, Helena! Esta é a pior parte. Mesmo que a gente se livre do presidente, a gente não se livra dos seguidores dele e desse retrocesso na pauta de costumes. Não sei se você viu que o supremo americano jogou para os estados a decisão sobre o aborto e já tem fundamentalista proibindo até a venda da pílula do dia seguinte. Ah! E aqui, onde houve 35 mil crianças estupradas em um ano, ainda teve aquela cartilha ilegal do Ministério da Saúde, criminalizando os tipos de aborto que não são crime.
- Eu sou contra o aborto, sabe? É pecado.
- Sabe, Helena? Esses pró-vida barulhentos fingem que se importam, para seduzir o voto de pessoas como você, mas estão pouco se importando com a vida. Depois que o bebê nasce, a mulher que se vire com ele, são contra auxílio creche, escola e hospital público e são a favor da pena de morte. A propósito, mulheres desesperadas morrem tentando aborto em casa ou clínicas clandestinas. Não dá pra pautar a vida delas pela sua fé. A propósito, se for mesmo pecado, o castigo é ir pro inferno. Posso te garantir: a maioria delas já está bem acostumada.
Texto publicado na minha coluna semanal do jornal Alô Brasília: