– Nossa, dona Zuleica! Que cara é essa?
– Ai, Helena! Muito triste!
– O que houve?
– Lembra aquela minha amiga, a Fátima, que de vez em quando vinha aqui com a netinha?
– A Cicinha? Claro que lembro! Inteligente e falante como ela só.
– Morreu…
– Dona Fátima?
– Não! A menina.
– Ah, não! O que houve? Acidente?
– Só se for acidente nascer em família de negacionista.
– Tá brincando?
– Não! A Fátima tá inconsolável. Ela, que tomou as três doses, viu a filha e o genro embarcarem nessa onda antivacina.
– Que dó!
– Eles estavam até se cuidando, por insistência dela, mas no réveillon, resolveram dar uma escapada… Nos pais foi leve. Mas a menina evoluiu para uma pneumonia. Estava internada desde segunda.
– Coitada da dona Fátima!
– Eu fico pensando nos pais… Além da tristeza, a culpa.
– É… Ela tinha quantos? 13?
– 12. Mas, já podia estar vacinada.
– Que horror, gente! Não tô acreditando. Ela me disse que queria ser cientista quando crescesse.
– Com pais terraplanistas?
– Eles eram?
– Sei lá. Deviam ser contra a ciência.
– Talvez só tivessem medo. Lá na Igreja, tem uns irmãos bolsonaristas. Eles têm horror da vacina. Nos grupos lá, deles, só falam bobagem. Eu tento argumentar, mas…
– Mostra os números, a redução das mortes…
– Eles acham que foi por causa da imunidade de rebanho.
– Gente louca! Será que eles sabem que quase todas as mortes, agora, são de não imunizados?
– Devem ter desculpa pra isso também.
– E pensar que a extrema direita só encampou esse discurso por poder.
– Eu só consigo pensar no sorriso e na alegria dela, que a gente nunca mais vai ver…
– Ô, Helena. Fiquei esperando você sair com alguma piadinha para me tirar desta angústia…
– Ai, dona Zuleica! Dou conta, não! Devia ter uma lei proibindo a morte de criança.
– Ter, até que tem. Mas, essa súcia que tá aí…
– É! Era capaz de matar um bebê por dia pra não perder a boquinha…
– Um a cada dois dias.
– Oi?
– É o que estão matando com o atraso da vacinação para menores de 12 anos.
– Cruzes! Só porque não consegui te tirar da angústia, não precisava me deixar angustiada também, né?!
Texto publicado na minha coluna semanal do jornal Alô Brasília
Ou veja uma versão um pouquinho menor na edição impressa:
alo.com.br/impresso/qui-13-01-2022/
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