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O Anel

Na reforma, achou o anel. Lindo, mesmo cheio de poeira, depois de meses escondido sob o piso. Uma pequena investigação e descobriu como ele chegou até ali, passando num vão entre duas tábuas, alojando-se caprichosamente numa falha diagonal no encaixe entre elas.
O pedreiro, homem honesto, ao encontrar a joia, lhe devolveu, sem saber o redemoinho que seu gesto nobre provocaria, as lembranças, que ela fizera questão de apagar, voltando agora, quase tão furiosas quanto ela estava quando lançou longe o pequeno aro dourado ornado por um reluzente brilhante, fazendo-o entrincheirar-se entre as farpas no chão.
Odiou o pedreiro, odiava o anel ali e suas facetas prismáticas, a relembrá-la do homem que o dera a ela, do relacionamento tumultuado, do amor, do sexo, do corpo dele, do desejo que a enlouquecia e apaixonava. Cada momento passando por sua cabeça, os bons, os outros... Lembrou da saudade sufocante, doendo fundo, da tentação que se seguia de procurá-lo, de jogar-se em seus braços, num beijo intenso de corpo inteiro que logo acabaria na cama, imagens vívidas que a faziam tocar-se afoita e, depois do gozo, o choro silencioso de grossas lágrimas hidratava seu orgulho e a impedia de procurá-lo. Altiva, também recusou as tímidas tentativas dele de reatar, por mais que cada uma delas alvejasse suas defesas como ondas sobre castelos de areia.
Naquela época, procurou a peça por todo o quarto. Queria devolvê-la, junto com as outras coisas com que o namorado a presenteara, como forma de extirpar de sua vida aquele que a magoara tanto. Fracassou em encontrá-la e, também, em esquecê-lo, mas seguiu a vida, conheceu outras pessoas, voltou a ser feliz.
Perdera o contato e, mesmo que não, jamais iria procurá-lo para devolver o presente a essa altura. Já imaginava o cinismo no sorriso vitorioso que ele lhe daria, se o fizesse. Não lhe daria esse prazer.
Decidiu vender a joia. Doaria o dinheiro a uma instituição de caridade. Depois de todo o mal que ele lhe fizera, era uma forma de redimi-lo, de permitir-lhe, ainda que inconscientemente, ao menos desta vez, fazer o bem, pensou, satisfeita, até que o especialista avaliou:
- É falso.
 


Este texto faz parte do Exercício Criativo - Joia Falsa
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Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 23/11/2018


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