Textos

 
Falar de Quê?
 
Se apenas houvesse uma única verdade,
não poderiam pintar-se cem telas sobre o mesmo tema.
Pablo Picasso

Podia falar do Jucá e o áudio explicitando os motivos e os partícipes do golpe para retirada de Dilma do poder. Podia falar dessa nossa imprensa inescrupulosa que quer a cabeça dela a qualquer preço, inclusive a total instabilidade das instituições nacionais, e com este objetivo, explorou as investigações da Lava Jato - como antes endeusara Joaquim Barbosa - insuflando o povo às ruas, aos panelaços, buzinaços, ao ódio. Podia falar de como tanta munição contra o Planalto atingiu outros caciques do nosso podre sistema político que, como selvagens à mercê de um deus impiedoso, uniram-se para oferecer a presidente em sacrifício, na esperança de acalmá-lo, devolvê-lo ao conivente sono milenar diante da corrupção sistêmica que sangra nosso País.
Poderia falar das propostas de Temer para conter o déficit público, restringindo gastos com saúde e educação, aumentando impostos - não sobre lucros! -, desatrelando aposentadorias do salário mínimo, o que condenará nossos idosos à miséria, depois de uma vida inteira de contribuição.
Poderia falar de meus amigos antipetistas, alguns muito queridos, que continuam acreditando no impeachment para viabilizar a recuperação econômica, para evitar uma ditadura de esquerda, para acabar com a corrupção. Poderia falar de alguns deles que não entendem que alguém como eu, razoavelmente politizada, não consiga ver que todo o mal do Brasil reside sobre Lula e seus partidários, que precisam ser neutralizados com toda a urgência. E poderia até falar de como invejo quem realmente acredita nisso, porque eu me encontro cada vez menos esperançosa com o que o futuro nos reserva, diante das inconfidências do ex-Ministro interino do Planejamento, que vieram apenas confirmar minhas mais sombrias expectativas sobre a real dimensão do buraco em que estamos afundados.
Poderia falar de amor. Mas, lembro da piadinha, pessimista como eu, hoje: o amor é flor roxa que só nasce no coração dos trouxas.
Então, melhor falar do ipê, roxo como a flor do amor, que vem anunciar o a chegada do frio em Brasília. E decido parar por aqui, só pra não dizer que não falei das flores.

 
Texto escrito para publicação no jornal Alô Brasília de ontem, mas que, em função de algum mistério editorial, não foi.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 28/05/2016
Alterado em 28/05/2016


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