Desapego
"Vamos amar o próximo
porque o anterior a gente já sabe que não deu certo."
Dougllas Ferreira
Malu, uma de minhas cadelas, é tão magra, que, se for parar nas ruas, meio suja e sem a coleira, ninguém pensará que tem quem cuide dela.
Preocupados com sua saúde, fazemos de tudo para que ela se alimente bem, o que não é fácil. Ela simplesmente parece não ter fome. O truque que usamos agora é colocar outro cachorro junto com ela na hora da ração. Ela fica vigiando a comida e acaba comendo, só pra não deixar nada para o outro.
Vendo-a assim, na disputa por um prato que não deseja, fiz um paralelo com aquele velha máxima: a gente só dá valor quando perde. Ou, no caso dela, na iminência de perder. Calma! Pode continuar lendo. Não vou desenvolver essa ideia tão clichê.
Foi apenas o gancho para falar de um outro fenômeno que, se refletido na Malu, a levaria à morte por inanição – e à obesidade o outro cachorro – e que pode ser resumido por um outro chavão: “Deixe-o ir. Se voltar, é seu. Senão, nunca foi.”
Estamos deixando ir. Não no sentido de dar espaço, liberdade ou privacidade, necessidades essenciais do indivíduo que não devem nem podem ser violadas em nome do amor. Mas no sentido de permitirmos o afastamento do outro, observando desinteressados seu crescente nível de insatisfação, até que a relação se desfaça, sem que nos demos conta. Muitos acordam nesse momento e tentam recuperar o perdido, com ou sem sucesso, o que é tema para outra crônica. Porém, é cada vez mais comum que essas (e esses) Cinderelas que não despertaram com beijos, permaneçam dormindo quando eles cessam. Por orgulho, independência, até por respeito, basta um dos dois pensar em dar um tempo para que o outro dê-lhe logo um calendário inteiro. Talvez a facilidade que temos hoje de encontrar pessoas e iniciar relacionamentos virtualmente explique um pouco esse desapego, bem no padrão OLX. Se o relacionamento começa a dar trabalho, deixa de ser interessante, melhor partir para outro. E, assim, vamos seguindo à espera da pessoa perfeita, que não exija a nossa perfeição, porque isso dá um trabalho danado!
Esquecemos que o melhor encaixe entre duas pessoas se dá mesmo é na dura batalha da evolução, fruto da convivência diária.
Texto publicado no Jornal Alô Brasília de
hoje.