Dia de Rock
"Nem desistir, nem tentar
Agora tanto faz
Estamos indo de volta pra casa."
Legião Urbana
Legião Urbana despontava como uma das grandes bandas do rock nacional e o irmão caçula era fã incondicional. Querendo agradar o moleque, assim que soube que eles tocariam em Brasília, corri para comprar os ingressos. Foi dar a notícia e o garoto de treze anos ficou eufórico. Cada vez que a propaganda do show aparecia na TV, ele gritava feliz:
- Eu vou!!!
No dia marcado, ele estava pronto três horas antes. E me aparecia a cada quinze minutos, tentando me apressar. Conseguiu. Chegamos ao Mané Garrincha com uma hora de antecedência. Tranquilo, no meu entendimento. No dele e no dos outros mais de cinquenta mil fãs, muito atrasados. As filas em frente aos portões estavam monstruosas.
Foi quando eu lembrei. No mesmo horário, Flávio Venturini se apresentaria, de graça, no Grand Circo Lá. Era só vender os ingressos, pegar o carro... Mas, havia prometido ao guri e segui com ele para uma das filas.
Depois de meia hora parados, o frio aumentava em proporção inversa à da minha vontade:
- Maninho, vamos pro Grand Circo Lá? Te dou uma fita do Legião.
- Nunca!
Mais vinte minutos, a fila estagnada e eu, tiritando:
- Vamos pro Grand Circo, maninho. Eu te dou duas fitas do Legião!!
- Não! Quero ver o show!
Mais trinta minutos na fila e já podíamos ouvir os primeiros acordes da banda tocando para os felizardos que haviam entrado.
- Mano! Olha só! O show já começou... sem nós! Se sairmos agora, ainda pegamos um pedaço do show do Flávio Venturini. Eu te dou as três fitas do Legião! Você vai ficar com a coleção completa...
- Não, por favor! Você prometeu!
Desisti.
Quando, finalmente, conseguimos entrar, e ainda procurávamos um lugar de onde pudéssemos ver alguma coisa no meio do povaréu, começou a briga. Bombinhas estouraram no palco, alguém deu uma gravata no Renato Russo, a música parou. Puxei o menino para um canto, enquanto o caos se espalhava como fogo no capim seco.
Números oficiais: sessenta detidos, trezentos e oitenta e cinco feridos, vários ônibus depredados. Nós saímos ilesos. Frustrados, mas ilesos.
Já chegando no carro, ele perguntou, manhoso:
- Maninha? Aquela proposta das três fitas ainda está de pé?
Texto publicado no jornal Alô Brasília de
hoje, reeditado do texto homônimo publicado neste Recanto em
29/04/2008.