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Habeas Corpus, Já!

As mulheres não sabem o que querem, e não dão descanso, enquanto não recebem aquilo que querem.
Oscar Wilde

Quando eu estava para nascer, anjos vieram me perguntar se eu queria ser homem ou mulher.
Essa é boa, pensei. O que eu sabia sobre um e outro? Nadica de nada. Eles, então, começaram a explicar:
- Os homens são mais livres, mais racionais e objetivos.
- As mulheres são mais amorosas, dedicadas, sensíveis, práticas.
- Os homens são mais focados, têm mais poder de concentração.
- As mulheres têm melhor visão periférica e conseguem fazer mais coisas ao mesmo tempo.
- Os homens têm mais força física.
- As mulheres têm mais resistência à dor.
- Os homens podem fazer xixi em pé.
- As mulheres têm orgasmos múltiplos.
- Opa!!! Pode parar... - eu disse. - quero ser mulher.
- Mas tem as desvantagens também. - um deles informou, preocupado.
Nem quis saber. Estava decidida.
E, sem saber, estava condenada. Ser mulher é um castigo: estamos sempre às voltas com pelos indesejados e cabelos indomáveis, gordura localizada, menstruação, celulite, inchaço, enxaquecas, TPM, dupla jornada, filhos, trabalho, preconceito, assédio, violência, medo do câncer e da mamografia. Choramos por qualquer besteira, acreditamos em qualquer lorota, romantizamos até anel feito de chapinha de lata de cerveja, eternas porta-estandartes do amor.
Ok. Também sabemos ser ladinas, usar nosso jeitinho para conseguir o que queremos. Fazemos biquinho ou nos debulhamos em lágrimas quando nos faltam argumentos, e, se isso não resolver, esfregamos nossas curvas na cara deles, até que se rendam a nós.
E assim, vamos vivendo a vida, comemorando o churrasco de calcinhas recheadas do 8 de março, ignorando que a nossa pena vai além da restrição de direitos ou imposição de costumes. Vem de dentro na forma de hormônios buliçosos e fantasias pueris.
Taí! Cansei. Vou impetrar habeas corpus! Quero ser livre! Quero ser homem! Pelo menos por uns dias, não quero me preocupar com a balança, com as modas, com as rugas, quero fazer xixi em pé! Danem-se os raros orgasmos múltiplos e o ponto G, quero orgasmos sempre. Quero ser homem!
Pelo menos até aparecer a careca, até o próximo chute no saco ou a mais vergonhosa broxada...
Daí a gente volta a conversar.

 
Texto publicado no jornal Alô Brasília de hoje, reeditado do texto homônimo publicado neste Recanto das Letras em 08/02/2010.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 06/03/2015
Alterado em 06/03/2015


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