Textos



Resolução de Ano Novo: Esquecer Você

 
Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?
Mario Quintana

Ela apareceu-me chorosa, após nova decepção com o mesmo canalha de sempre. Prestei-me a ouvir a eterna ladainha do desencanto, da tristeza, da raiva... tudo isso misturado a tanta paixão que a cada colher de fel destilada, ela juntava três de mel. Estava na cara: assim que ele aparecesse, eles voltavam.
Fiquei me perguntando. Por que, mesmo depois de tantas mágoas, não conseguimos esquecer e superar um grande amor? Lembrei-me do filme "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" onde o protagonista decide submeter-se a um tratamento para apagar a namorada da memória, mas arrepende-se e inicia uma alucinada corrida em sua mente, entre lembranças e fantasias, na luta para salvá-la do esquecimento.
Se este equipamento existisse, seu inventor ficaria podre de rico. Poder apagar da memória alguém que lhe causou tanta dor é uma libertadora opção, pela qual muita gente pagaria pequenas fortunas de bom grado.
Mas... e se o esquecido reaparece? Será que a paixão não volta?
No filme, torcemos para que o rapaz consiga vencer a máquina e preservar suas lembranças. Sabemos que o passado faz parte de nós e, depois do sofrimento encerrado, resta uma doce saudade, um poder olhar para trás e reconhecer ali uma parte especial da nossa história.
Melhor seria uma máquina capaz de matar só o sentimento que nos aprisiona. A boa notícia é que ela existe. Chama-se amor próprio e, é por meio dele que, não esquecemos, mas superamos amores vãos.
Com uma vantagem: a superação nos garante o discernimento que a falta de lembranças não traz.
O que não podemos é, como no filme, sabotar o funcionamento dela, confundindo memória e fantasias na esperança de proteger nosso algoz do ostracismo, porque fomos ensinados a acreditar que um grande amor deve mesmo durar pra sempre. Mesmo que doa.
Daí, lembrei de outra coisa: sofrimento perpétuo é a descrição do inferno. Amor existe para nos fazer felizes ou é melhor matar, enterrar e partir pra outra. O único amor que não pode morrer é o amor por nós mesmos.
Tentei dizer isso a ela. O sujeito ligou antes e ela o seguiu, deixando atrás de si um doce rastro de mel.
 
Texto publicado no Alô Brasília de hoje e reeditado do texto homônimo publicado neste Recanto das Letras em 28/12/2009.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 16/01/2015


Comentários