Aves de Arribação
Vontade de viajar nas férias igual ao ano passado.
Ano passado também não viajei, mas fiquei com vontade.
Mais por estar precisando de dinheiro do que daquela sagrada paradinha anual, você tira férias. Não importam seus motivos ou o saldo no vermelho: vá viajar. Ou finja que foi. Desligue telefones, evite os locais frequentados pelos amigos... Vale até postar no facebook fotos daquela viagem que você fez em 2005, fingindo que são de agora. Nem se preocupe. Ninguém vai reparar no aparelho dos dentes ou nos seus oito quilos a menos daquela época, todas as atenções voltadas à paisagem à sua volta, certamente, bem diferente do que se vê por aqui e onde todos preferiam estar.
Se não lhe apetecem tais subterfúgios, prepare-se para enfrentar a desdenhosa piedade expressa em olhares condolentes pela sua lamentável condição de não viajante. Mesmo que você esteja convencido de que descansa e se diverte muito mais no seu apartamento, não estar disposto a enfrentar estrada ou aeroporto faz de você um esquisitão, sujeito a todo tipo de bullying: “Ah! Dá ao menos um pulinho em Caldas!” Caldas Novas?! Neste calor? Tô de férias ou de castigo?
Não, não vou. Vou curtir minha casa, meus cães, meu clube, minha família. Vou dormir na minha cama que já se moldou direitinho ao meu corpo, com meus travesseiros, minhas cobertas e nada de passar sufoco, mendigando diariamente na recepção por um cobertor extra ou pelo reparo no ar-condicionado. O bronze, aquele que nos deixa invejáveis aos que seguiram trabalhando, pego tomando sol na laje, do mesmo jeito que faria de frente pro mar. E, ainda melhor, sem vento, areia e água salgada, muitas vezes, gelada. Por falar em gelada, vou tomar umas também, acompanhadas de petiscos veganos, desses que não encontraria em 99% dos bares e restaurantes pela estrada à fora. E, nas horas da preguiça, TV por assinatura ou WIFI de verdade para usar. Pra que mais?
Gosto de viajar. Gosto de conhecer lugares novos, gentes, pratos. Mas, essa obrigação de voar como aves de arribação tira toda a graça da coisa.
Daí, fico. E, quando chego das férias com meu bronze laje e clube e a primeira coisa que eu ouço é: "Nossa, como tá preta! O sol daqui não queima como o de lá, né!?"
Ô, se é!
Texto publicado na edição de hoje do jornal
Alô Brasília.