Sobre Carros e Memória
Era um sujeito realmente distraído: na hora de dormir, beijou o relógio, deu corda no gato e enxotou a mulher pela janela.
Jô Soares
Quem disse que a vida nos pregas surpresas está redondamente enganado, nós é que somos distraídos!
Luiz Sergio Alves
Cheguei e estacionei minha Brasília Amarela em frente à Mesbla. Isso foi há muito tempo: ainda existia a Mesbla - e vagas no Park Shopping -, mas não existiam celulares.
Na saída, horas mais tarde, seguia em direção ao carro, quando observei uma senhora muito nervosa, cercada por policiais e seguranças, dando queixa sobre o furto de seu Opala ali no estacionamento. Lamentei por ela e apressei o passo para encontrar meu carrinho. Porém, depois de muito rodar, cheguei à conclusão de que também eu havia sido vítima de furto. Decidi procurar um orelhão no shopping, de onde chamaria um de meus irmãos para me levar à delegacia. Só quando já estava dentro da loja foi que me dei conta:
- Sua anta! A Mesbla tem duas entradas.
Pois é. Lilica, minha Brasilinha, estava na outra, quase em frente à porta.
Tem também o caso do colega que, cercado pelos amigos ao final da aula, saiu em animada conversação rumo à parada de ônibus quando uma outra colega aproximou-se apressada, o cutucou e apontou para trás, perguntando:
- Aquela menina não é sua?
Ao lado do portão o único carro estacionado era o do pai dele, com o qual ele, às vezes, vinha à escola. Encostada no capô, a irmã dele olhava para nós, com cara de “morro de medo de chegar nessa idade”. Nós todos passamos ao lado do carro, sem vê-lo.
Mas o melhor caso envolvendo carro e falta de memória, foi o de um amigo que, ao sair da balada, não encontrando o carro, deu uns sopapos no coitado do flanelinha. Depois, deu queixa na delegacia e foi até identificar um carro apreendido num desmanche em Sobradinho que podia ser o dele. Não era, felizmente, pois ainda restava a esperança de recuperá-lo inteiro, infelizmente, pois havia o temor de nunca mais vê-lo. Dias depois, passando pelo mesmo estacionamento num momento em que ele estava bem vazio, viu um carro muito parecido e aproximou-se para verificar. Era ele. Não podia acreditar. Até hoje, ele defende a versão de que o carro foi furtado e devolvido depois. Para comprovar sua tese, afirma que alguns CDs que estavam no porta luvas teriam desaparecido. Por que será que ninguém acredita?
Texto publicado na edição de hoje do jornal Alô Brasília e reeditado do texto homônimo publicado neste RL em
30/03/2008.