Textos



Que Viagem!

Isto não é voar. Isto é cair, com estilo!
Buzz Lightyear
 
Sentei no teco-teco que chamam de avião e que fazia o trecho Bauru-Congonhas. Soube que, agora a Gol também o atende, o que eu não sei se é exatamente uma boa notícia.
Ao meu lado, senta-se um rapazinho, telefone celular grudado na orelha, visivelmente enfadado:
- Tá, mãe... Tá bom, mãe! Já rezei, mãe... Sim, mamãe! Fiz o sinal da cruz... Não, mãezinha, não se preocupe... É pequeno, mas é seguro... Tá, mãezinha... Também te amo, mãe.
A aeromoça aproximou-se e pediu-lhe que desligasse o aparelho.
- Mãe, vou ter que desligar. Ah! Qualquer coisa, minhas radiografias dentárias estão na primeira gaveta da cômoda, tá?
E desligou, rindo sozinho. Maldade, assustar uma mãe desse jeito, mas não pude evitar de achar graça com ele. Boba, ela!, pensei.
Eu viajava tanto naquela época e nunca levei nem um sustinho.
Passados alguns minutos do vôo, o aviãozinho balançou. Balançou de novo e mais uma vez. O aviso de "apertar os cintos" foi aceso e as garçonetes-bonitinhas-para-espaços-reduzidos interromperam o serviço de bordo e empurraram rapidamente seu carrinho para o fundo do corredor. O piloto anunciou que entraríamos numa turbulência. Puro eufemismo. Estava mais para um furacão! Quiçá, uma coqueteleira! A coisa realmente foi esquisita e, de repente, comecei a me preocupar... será que o marido conseguiria encontrar as minhas radiografias dentárias?
Dez longos minutos depois, atingimos a paz de um céu de brigadeiro e, na aterrissagem, o avião alinhou-se ao piso e o tocou, sutilmente. Pensei comigo: puxa! Que delicadeza! Depois de sacolejar como o filhote de uma canguru fã da pipoca no carnaval de rua pernambucano, tive que render-me à habilidade do piloto. Minha rendição durou três segundos. Foi quando ele realmente pousou, isto é, chocou-se contra o solo, quicando e aterrando novamente, com a elegância de um albatroz embriagado. E eu que já olhava pela janelinha, acabei dando um mau jeito no pescoço. O piloto, não tão habilidoso afinal, terminou suas manobras enquanto vários celulares iam sendo ligados à minha volta. Inclusive o do rapazinho que anunciou, aliviado:
- Cheguei, mãe.
E completou:
- Graças a Deus!

 
Texto publicado hoje em minha coluna semanal do jornal Alô Brasília e reeditado do texto homônimo, publicado neste Recanto das Letras em 13/04/2010.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 26/09/2014
Alterado em 26/09/2014


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