Textos



A Marca de Batom

 
Errar é humano. Ser apanhado em flagrante é burrice.
Millôr Fernandes


Batom na camisa é difícil explicar. E acredite.  Pode ficar pior...
Sexta à noite, happy-hour com a turma do trabalho, Taís tentou levantar-se, mas o salto travou na cadeira e ela, desequilibrada, caiu, literalmente de boca, sobre o ombro de Rui, seu colega de trabalho que também se levantava. Constrangida, ela se desculpou e se ofereceu para conversar com a esposa dele e explicar o incidente.
Rui, porém, recusou. Muito tranquilo, disse que a esposa confiava nele e não havia necessidade de ela se envolver.
Taís respirou aliviada. Já havia passado por uma situação bastante desagradável, anos antes, quando a esposa grávida de um outro colega armou o maior barraco em frente à porta da empresa em que trabalhavam, acusando-a, injustamente, de estar tentando roubar-lhe o marido. Isso aos berros, lágrimas e soluços. A menina foi salva pelo patrão, amigo de seu pai, enquanto o colega procurava acalmar a esposa. Ânimos aplacados, pedidos de desculpas aceitos, o episódio não teve maiores consequências, mas ela aprendeu a lição e desde então, mantinha sempre uma respeitosa distância de seus colegas de trabalho. Especialmente dos casados.
Se ele quisesse, conversaria com ela, mas preferia não.
Quando chegou para trabalhar na segunda, soube que Rui estava dormindo numa pensão. Apesar de ter dito que resolveria tudo com a esposa, em casa mudou de ideia e resolveu lavar a camisa. Dona patroa acordou, flagrou-o esfregando a mancha... Não quis nem conversa: pior do que a mancha de batom é ser pego tentando esconder a mancha de batom.
Taís não se conformava. Queria ligar para ela, explicar tudo, mas seu chefe a desaconselhou. Rui era mesmo um safado, vivia aprontando, por isso a manobra desastrosa.
Ela tentou esquecer o assunto, mas, à noite, na biblioteca da faculdade, enquanto procurava um roteiro para interpretar na prova de cênicas, deparou-se com a fala: “Homem nenhum num presta.”
"Perfeito!", ela pensou. E decidiu: "É este!"
A frase era um atentado ao português, mas combinava perfeitamente com suas impressões sobre o espécime humano do sexo masculino naquela noite de segunda-feira.

 
Texto publicado no jornal Alô Brasília de 19/09/2014, a partir do texto homônimo publicado neste Recanto das Letras em 11/03/2008.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 19/09/2014


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