A Loucura e a Paz
Se é loucura então
Melhor nem ter razão
Lulu Santos
Helsinque, 1952. Na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, a jovem alemã Barbara Pleyer desceu ao campo vestida de branco, deu meia volta na pista olímpica, tomou os microfones e fez um pequeno discurso pela paz.
O público aplaudiu, pensando tratar-se de parte do espetáculo, até que ela foi retirada pelos seguranças. Em nota, a comissão organizadora esclareceu que Barbara sofria de problemas mentais.
Vejamos. Na época, apenas sete anos após a rendição japonesa que encerrou a II Grande Guerra (saldo: cinquenta milhões de mortos e quase trinta de mutilados), EUA e URSS rosnavam um para o outro, no que se chamou Guerra Fria entre capitalistas e comunistas. "Fria", pois nunca se enfrentaram de fato. Acuadas pela Paz Armada, as duas potências tinham tanto poder de fogo que a perspectiva de colocá-lo em uso significaria, não apenas sua mútua destruição, mas, possivelmente, a de todo o planeta. Porém, durante meio século, patrocinaram guerras menores pelo mundo. Naquele ano, tinha palco a Guerra da Coreia, onde sul e norte se engalfinhavam, apoiados, respectivamente, por americanos e soviéticos.
Naquele ano, ainda, Winston Churchill anunciava, em fevereiro, que o Reino Unido possuía a bomba atômica. Lembra? Aquela, responsável por cerca de duzentos mil mortos em Nagasaki e Hiroshima. Em março, os Estados Unidos apoiavam o golpe de estado que levou ao poder o governo ditatorial, corrupto e repressor de Fulgêncio Batista em Cuba, só derrubado sete anos depois por ninguém menos que Fidel Castro, que dispensa apresentações, por suas próprias atrocidades.
Os anos se passaram, o mundo evoluiu muito...
Mas, basta abrir um jornal para sermos bombardeados pela dor das vítimas de Gaza, Ucrânia, Síria... Conflitos que se sucedem, destruindo povos e esperanças, por motivos vários, nenhum justo. Nada justifica o assassinato de inocentes. Somem-se a eles a criminalidade, os conflitos agrários, o narcotráfico, a violência doméstica, a violência no trânsito, a violência...
Helsinque, 1952. Barbara pede paz, enquanto homens poderosos decidem pelo destino fatal de milhões se seres humanos.
E ela é a louca!?
Texto publicado no jornal Alô Brasília em 08/08/2014 e reeditado do texto Muito Louca, publicado neste Recanto das Letras de
04/10/2008.