Ela era mocinha, lá pelos doze, treze anos. Havia aprendido a andar de bicicleta somente aos onze, quando os pais compraram uma bicicleta russa, de uns vizinhos, funcionários do Itamaraty que estavam de mudança do Brasil. A magrela não era tão magra assim, estrutura reforçada, as rodas largas e, o melhor, o sistema contra-pedal que lhe permitia ficar parada, em pé por alguns minutos. Nas disputas de equilíbrio com os meninos do prédio, ninguém vencia dela.
Por outro lado, era pesadona e difícil de controlar em maior velocidade. Numa bela tarde ela seguia sem as mãos no guidon e, ao pegar um buraco, foi ao chão. Um tombão mesmo, desses, ridículos, que doem mais na alma que no corpo, mas doem pra caramba. Antes de dar-se conta do estrago em si ou na bicicleta, ela percebeu os rapazotes. Quatro ou cinco, sentados num prédio ao lado. Haviam assistido ao feio esborrachamento. Esperta, ela não lhes deu chance de rir. Fingindo-se machucada, gemeu e chorou neste vale de lágrimas, no que conseguiu a piedade deles que se prontificaram a ajudá-la a levantar-se, endireitar a bicicleta e consolá-la pelos terríveis danos.
Ela sentia-se humilhada. Sabia que eles riam por dentro e que ririam mais ainda por fora depois de sua saída. Mas eles, se por gentileza ou verdadeira curiosidade, admirados pela estranha bicicleta, logo esqueceram-se do tombo. Passados alguns instantes, ela seguia seu rumo, depois de dar-lhes uma aula sobre a engenharia russa na construção de bicicletas e fazer uma bela apresentação sobre as utilidades e excentricidades do freio contra-pedal. Se eles riram depois ela não sabe. Menos ainda se eles descobriram que metade do que ela falou sobre a cicloindústria soviética era pura invencionice.
Este texto faz parte do Exercício Criativo - Que Vergonha!
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