Textos



Natal Não é Dia de Morrer

Deixei o espírito natalino invadir a minha casa.
Perdi som, geladeira, televisão...
(Autor desconhecido)


Véspera de natal. Já de tardezinha, José Roberto voltava para casa quando foi surpreendido pela chuva.
Lamentou não ter ainda reposto a viseira do capacete. Os pingos batiam com força em seu rosto, machucando a pele e os olhos. Encostou a moto numa parada de ônibus para esperar uma trégua de São Pedro. Três sujeitos aproximaram-se como se fossem pedir informações mas o que fizeram foi sacar uma 22 e alvejá-lo no abdômen, sem qualquer aviso. Enquanto estava caído, pegaram em seu bolso a carteira e tiraram o que havia de dinheiro. Ele olhava os documentos espalhados e pensava: tenho que recolher logo essas porcarias... se eu sair dessa, vai dar um trabalhão tirar tudo de novo.
E foi o que fez, tão logo os assaltantes saíram. Em seguida tentou conseguir ajuda, abordando as pessoas que encontrava na rua. Porém, ao vê-lo sujo de lama e sangue, andando meio encurvado, elas se afastavam.
Já sem forças, viu se aproximarem dois moleques da favela próxima. Com medo e sem alternativas, esperou chegarem perto. Eles o ajudaram a empurrar a moto até um posto policial, onde foi, finalmente conduzido a um hospital.
Lá, porém, foi largado numa maca no corredor, sem qualquer atendimento.
Enquanto isso, a família se preocupava com sua demora, pois ele não costumava atrasar-se sem aviso. Ninguém foi à Missa do Galo e a ceia esfriava sobre a mesa enquanto os irmãos tentavam acalmar a mãe.
Só de madrugada, José Roberto, depois de passar quase toda a noite jogado a um canto, baleado, molhado, sujo, com frio e fome, finalmente, havia conseguido que a acompanhante de um outro paciente do hospital fizesse a ligação para a família, que veio correndo ao seu encontro. Providenciaram a transferência para um hospital conveniado onde ele foi operado. A bala já tentava entrar no coração, depois de passear por boa parte de seu sistema sangüíneo. Enquanto lutava pela vida, implorando por ajuda e atenção, inevitável lembrar-se do santo que lhe deu o nome. Naquela mesma noite, dois mil anos atrás, também São José havia batido de porta em porta com a esposa grávida até conseguir abrigo na manjedoura onde Jesus nasceu.
 
Texto publicado na edição de 27/12/2013 do Jornal Alô Brasília, reeditado do texto homônimo publicado neste Recanto das Letras em 19/03/2013.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 27/12/2013


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