Textos




O Revolucionário


- E aí!? Qual é a boa para hoje?
- De novo, B-63?
- B-63, não. Eu tenho um nome. É até bonito e...
- Aqui, somos apenas os endereços de nossas campas. Eu sou A-63. Seu vizinho, infelizmente.
- Eu sei. Você já disse. Mas não me conformo. Eu tinha um nome bonito.
- Lá! Antes de vir para cá. Aqui, precisamos nos desapegar das coisas de lá, para podermos seguir adiante.
- Seguir adiante! Seguir adiante! Só se fala nisso. Mas, em mais de quinze anos, nunca vi ninguém sair daqui.
- Ainda não chegou a hora.
- De ninguém?
- De ninguém.
- Há quanto tempo você está aqui?
- Trezentos e sessenta e quatro anos.
- E neste lapso, você nunca viu ninguém passar pro lado de lá?
- Não. Só chegar. Mas eu acredito que...
- Sei, não! Pra mim, isso é conversa de fanático religioso. Acho que vamos passar o resto da eternidade aqui.
- Ah, não! Não, mesmo! Não suporto mais esse inferno...
- Inferno, nada! Isso aqui é muito melhor do que estar vivo.
- Nunca! Só mesmo um parvo como você para pensar assim.
- Parvo? Pois veja se eu não tenho razão. Nós simplesmente estamos aqui. Não precisamos comer, não temos sede, não sentimos frio... Nenhuma necessidade, anseio...
- Pois é por isso que eu acho isso aqui um inferno. Sem sonhos, ambições, esperanças... É uma existência vazia, B-63.
- E no que você acha que o lado de lá é melhor? Vamos dormir em nuvens coloridas ao invés de covas no chão? Haverá anjos tocando harpas?
- Não sei bem... Sei que é o paraíso.
- Sei! Eu é que não vou ficar aqui esperando, esperando, esperando, sabe-se lá o quê.
- E o que você pretende fazer?
- Viver!
- Viver, como, criatura!? Estamos mortos!
- Viver a morte que temos, ora bolas. Aproveitar o tempo livre...
- Mas...
- Eu trabalhava dez, doze horas por dia. Quando ia me aposentar, o infarto. Aproveitei nada.
- Mas...
- Então, tecnicamente, estou aposentado. Vou passear, vou ver o mundo...
- E como vai sair daqui? Você é só uma ossada velha!
- Melhor ainda! Vou me divertir assustando moleque.
- Fazendo maldades, você vai perder sua chance de seguir adiante...
- Seguir adiante!? Que mané seguir adiante! Eu quero é seguir! Quero viver! Namorar!
- Namorar como, criatura? Quem?
- Então você não viu? Ontem chegou uma defuntinha linda!
- Ah, vi! A F-45.
- Vilany! Vilany é o nome dela. Vou lá dar as boas vindas!
- Mas... Você não pode! Isto é uma rebelião, uma revolta, uma revolução!
- Que seja!
- Não faça isso, B-63!
- Cristiano! Meu nome é Cristiano!
E, dizendo isso B-63, isto é, Cristiano saiu de campa em campa, convidando os defuntos para a vida.
Nem todos se animaram a sair e participar da festa. Mas todos os que o fizeram, finalmente, puderam seguir adiante.
 

Este texto faz parte do Exercício Criativo - A Revolta dos Defuntos
Saiba mais, conheça os outros textos:
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Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 05/08/2013
Alterado em 05/08/2013


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