O Corvo
Andando pelas ruas, Hector parece uma pessoa normal, sisudo e ensimesmado, como a maioria dos transeuntes que circulam apressados pelo centro da cidade.
No convívio, porém, essa introspecção se traduz numa verborragia negativista que tira do sério qualquer um que tem o desprazer de conviver com ele.
É capaz de encontrar defeito em qualquer coisa e só prevê desgraças e tragédias. Às vezes, o faz com tal ênfase, que impressiona seus ouvintes, fazendo-os adiarem viagens, desistirem de mudanças e até de casamentos.
Às suas costas, chamam-no “O Corvo”, por esta sua característica agourenta, mas muitos que teimam em desafiar seus presságios, acabam por vê-los concretizados, o que fez sua fama espalhar-se, ao ponto das pessoas começarem a procurá-lo antes de tomarem decisões importantes. E, como é-lhe impossível prenunciar bons augúrios, vem se perpetuando a inércia à sua volta, todos temerosos das consequências desastrosas que ele prevê.
Intrigados pelo fenômeno, os jornais e TVs começaram a se interessar por ele e é aí que eu entro nesta história. Como jornalista científico do Jornal Dia a Dia, fui destacado para produzir esta matéria, buscando elementos que possam comprovar a validade de seus vaticínios.
Pesquisei todos os fatos relevantes relacionados ao fenômeno, entrevistei seus amigos e familiares, investiguei seus “clientes”. Assim, entre aspas, pois ele não cobra por suas “consultas”. Por mais que, à sua volta, a aura seja de um temeroso respeito, eu sou um homem da ciência. Não me rendo a essas crendices.
De posse de um muito completo dossiê sobre as atividades do Corvo, resolvi partir para o confronto final. Forjei uma história e fui visitá-lo.
Foi uma experiência, no mínimo, desagradável. O ar à sua volta é pesado, sombrio, tenso. O apelido é mais do que adequado. O homem lembra mesmo uma ave de mau agouro, as sobrancelhas muito grossas e peludas como duas taturanas encontrando-se no meio da testa, um gigantesco nariz adunco que se projeta majestoso sobre lábios muito finos e pálidos. O olhar, penetrante e intransponível, denota uma inteligência incomum e, durante toda a conversa, observava-me voraz, como um pássaro em vias de lançar-se sobre sua caça. Tive a impressão de que, de tal criatura, não pode mesmo sair nada bom.
Falei-lhe de meus “problemas”, pedindo seu conselho. Admirei-me com a minha desfaçatez, enquanto, narrava-lhe minhas desventuras conjugais e o enchia de perguntas angustiadas sobre como resolver a situação. Ao mesmo tempo, testava suas respostas e atitudes. Em minha cabeça, já começava a delinear as linhas deste artigo.
De repente, ele olhou-me provocador, e disse com sua voz lúgubre:
- Não se preocupe com seu artigo. Você nunca irá terminá-l
Este texto faz parte do Exercício Criativo - Pássaro de Mau Agouro
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