Textos



Depressiva


 
"Pois eu vou fazer uma prece.
Pra Deus, nosso Senhor
Pra chuva parar.
De molhar o meu divino amor"

(Jorge Ben Jor)

 
Não gosto de chuva. Pronto. Falei!
E, quando digo isso, nem estou me referindo às enchentes, alagamentos e outras tragédias.
Falo de qualquer chuva. Grossa, fina, com vento, sem vento, trovejante ou suave. Não gosto e pronto.
Já gostei menos. Nos anos sombrios da adolescência gorducha, ficava depressiva em dias cinzentos. Hoje, mais compreensiva das coisas, entendo a chuva como um mal necessário. Sem ela, ninguém plantava, ninguém comia, adeus vida por aqui. Mas não gosto.
Sei que tem quem goste. Samambaias, por exemplo. Uma vez que eu não sou uma samambaia, chuva só é tolerável ao cair no telhado e embalar o sono. O sono ou as outras coisas que se fazem na cama. Tem quem goste de fazer essas outras coisas na chuva. Sem telhado. Acha excitante a água escorrendo pelos corpos suados. Concordo. Fazer coisas que se fazem na cama além de dormir é bom de qualquer jeito, inclusive com água escorrendo pela pele suada. Mas, prefiro o chuveiro onde tenho privacidade e onde a água que cai, cai na temperatura ideal. No chuveiro não tenho o ar livre e o contato com a natureza. Também não fico olhando passarinhos ou borboletas quando estou fazendo coisas que, normalmente, se fazem na cama além de dormir. Mesmo quando as faço ao ar livre.
Considerando que a chuva é um mal necessário, por ser mal, preferia nem vê-la, por necessário, poderia ser diária. Assim, seria fantástico se chovesse todos os dias, sempre entre as três e as seis da manhã.
- E os trabalhadores noturnos? – você perguntaria, na maior correção política.
E eu, responderia:
- Estamos falando de ideal e, neste caso, não haveria trabalhadores noturnos. Todos estariam em suas casas, em suas camas, ouvindo o barulho da chuva e dormindo, ou fazendo outras coisas que fazemos na cama, além de dormir.
Como ideal não é real, e, neste caso específico, é mesmo muito improvável, então, vivo em Brasília, onde chove por meio ano, depois de seis meses de seca. Ou seja, ou a gente craquela, ou embolora.
Amo Brasília, mas esse clima me deixa com o humor de uma depressiva adolescente gordinha. Principalmente quando entramos em fevereiro e ainda não se viu o sol do novo ano, nossa estrela mãe escondida por nuvens-esponjas-cinza-chumbo-encharcadas-vazando. Passamos manhã, tarde e noite sob a chuva fina ou grossa, leve ou pesada, com e sem vento, sem ou com trovões. E chove, principalmente ao entardecer, tirando de vez a graça dos meus dias úmidos por inviabilizar as aulas de tênis e os folguedos com os cachorros, além de parar de vez o trânsito já lento da Capital.
Sobram a lama, o mofo, a roupa lavada que não seca e a saudade do estio. Isso é bom. Saudade inspira. Escreve-se muito mais poesia em dias cinzentos que ensolarados. Normalmente, poesias depressivas.
E eu gosto é de humor. Bom humor.
Não sou mais uma adolescente gordinha.
Isto é... Não sou mais uma adolescente e... fiquei depressiva.





Este texto faz parte do Exercício Criativo - Chuvas ao Entardecer
Saiba mais, conheça os outros textos:
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Tediosa Brasília sob chuva.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 04/02/2013


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