Textos



Rebeldes sem Causa

"A nossa indignação é uma mosca sem asas.
Não ultrapassa as janelas de nossas casas."
(Chico Amaral e Samuel Rosa)

Segunda vez que cito o Ultraje a Rigor num texto meu. Gosto deles. Já dei aulas de matemática ao atual baterista da banda. Acho que mandei bem! A arte de Pitágoras tem tudo a ver com ritmo e o menino é bom.
Meu gosto, porém, vai além do orgulho pós-docente. Vem de antes do Marco Aurélio virar Bacalhau, pela irreverência e criatividade de algumas das letras da banda. A do título conta a história de um rapaz, revoltado por não ter motivos para se rebelar: "Não vai dar pra eu amadurecer sem ter com quem me revoltar". Faz sentido: crescer é questionar.
E aí, pergunto: você já se revoltou? Não conta aquela indignação egoísta, de reclamar entre dentes, mas a que nos arrasta pra rua, cara pintada, apitando e batendo panela, visceralmente engajados à causa. Não!? Nem eu! O que não falta, é motivo, mas somos a antítese da música: somos mansos sem causa.
Estudos afirmam que este nosso comodismo decorre de uma estratégia de governo que remonta à Roma Antiga: Panis et Circenses. Vivemos em letargia, hipnotizados com as promessas de um novo Brasil, porto seguro para todos os povos da Terra, enquanto os povos daqui navegam mares bravios, achando tudo lindo entre carnavais, novelas e futebol, além do lixo cultural promovido por esta nossa mídia vulgar. Nivelados por baixo, ninguém pensa. Sem pensar, não há revolta. Como amadurecer?
Driblando os grandes canais de comunicação, a internet nos traz fatos (e boatos) chocantes! Difícil manter a placidez e, então, passamos à ação, certo? Errado! Limitamos-nos a assinar petições online que jamais rastreamos ou repassar a mensagem – e o problema – adiante, “conscientes” de termos feito a nossa parte. Ativistas de sofá, é o que somos!
Se água fura pedra pela repetição do pingo, resta a esperança de que tanta desgraça em nossa tela nos acorde. Como no Egito, por exemplo.
Sei, não. Basta uma marola turvando nosso marasmo para que surja uma distração que nos aplaine. E viva o Barbosão!
Aliás, essa Barbosalatria me preocupa. Render-me a ela dependerá da atuação do ministro em outros julgamentos.
Até lá, cuidado! Estou de olho. Eu e meu sofá!





Testo publicado no jornal Alô Brasília em 26/10/2012.

Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 17/01/2013
Alterado em 25/01/2013


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