Mulher ao Volante
Seja paciente no trânsito, para não fazer de paciente no hospital o chato que fica do seu lado dando palpites no seu jeito de dirigir.
Tem mulher que, ao comprar o carro novo pergunta: "E se tirar os retrovisores e as setas, dá pra pôr o ar-condicionado?"
Quando resolvi escrever este texto, perguntaram se eu seria policitamente correta ou se faria algumas inimigas.
Respondi que a intenção é escrever um texto divertido. Quem tiver bom humor, vai rir de nós, comigo e, quem não tiver... Ora, cá entre nós, para quê eu iria querer uma amiga mal humorada?
Sejamos justas, algumas mulheres com as quais cruzo na selva do asfalto, dão razão ao preconceito. No geral, nós, as mulheres, não dirigimos mesmo muito bem.
As mulheres sentirão necesssidade de se defender, argumentando que se envolvem menos em acidentes e, sempre com menor gravidade. É verdade, não se pode negar que somos muito mais cuidadosas. E é aí, talvez, que resida o nosso maior problema: somos cuidadosas demais! Somos muito é medrosas! Há exceções, claro. Poucas, mas há.
A explicação data do tempo em que somos belas fedelhas de lacinhos, sapatinhos e vestidinhos cor-de-rosa. Enquanto estamos brincando de bonecas e casinha, os meninos estão brincando com carrinhos.
Então, sem intimidade nenhuma com a coisa, crescemos e aprendemos a dirigir. Felizes, independentes. A prática leva à perfeição e, aos poucos, vamos atingindo alguma eficiência. Já nos definimos um ser de cabeça, tronco e rodas. Afinal, rodamos para a faculdade, para o trabalho, para a casa das amigas, academia, balada... Parece um processo sem volta, certo? Errado. Neste ponto, congelamos a evolução e a quilometragem: aparece o primeiro namorado motorizado.
Românticas, voltamos ao tempo das carruagens e espartilhos, em que nos imaginamos melífluas e frágeis mocinhas vestidas de rendas ao embarcarmos nas carruagens de nossos heróis, puxadas por garbosos cavalos brancos. Com a vantagem de que os muito cavalos de agora seguem cuidadosamente acondicionados no motor e não saem por aí fazendo cocô nas ruas. Apaixonados, queremos estar todo o tempo juntos e isso envolve estarmos no carro dele, com "adivinha quem" ao volante.
Continuamos dirigindo quando necessário, mas agora, diante da pretensa superioridade dele - que ele faz questão de mostrar todo o tempo, sentimo-nos inseguras e a coisa desanda.
Infelizmente, o romance cede espaço à rotina e, felizmente, com isso retomamos nossa trajetória de sucesso como motoristas.
Até que vem a primeira gravidez. Instinto de autopreservação renovado, o acelerador vira inimigo: tocar nele pode significar o fim da espécie humana na Terra. Nove meses de barbeiragens depois, o pequenino nasce, lindo e indefeso e o adesivo de bebê a bordo no vidro reduz ainda mais a potência do motor.
A cria cresce, nos sentimos mais confiantes, mas no banco de trás, dois ou três pestinhas não têm o menor pudor em tirar nossa atenção, brigando, gritando e sujando tudo de sorvete.
Quando, finalmente, podemos nos dedicar ao volante, vem a idade, a vista cansada...
Mas, nosso maior bloqueio é mesmo emocional.
Num acidente, por exemplo, somos mais frágeis que eles e um amassadinho pode ter o poder destruidor de uma bomba de hidrogênio na nossa vocação automobilística.
Mulheres que dirigiam bem, tornam-se verdadeiras "mulherzinhas" ao volante após uma batida e compõem a maior parte da clientela dos "psicólogos do volante" que ajudam pessoas traumatizadas, a livrar-se do medo de dirigir.
Outra razão para eles dirigirem melhor? Enquanto, para nós, o carro é uma ferramenta, para eles é uma paixão. Em casos extremos, seria quase um acessório erótico, um fetiche, visto como objeto de sedução e de distinção social, útil para conquistar garotas e o respeito de seus pares, assim como o tamanho do... sapato.
Mais um detalhe sobre as mulheres: cansadas do preconceito, elas, às vezes, tornam-se mesquinhas e rancorosas. Não dão passagem, invadem vias preferenciais ou mudam de faixa de forma irresponsável, pois sabem que culpado é quem bate atrás, buzinam, xingam... Se questionadas, citam Sartre: "o inferno são os outros".
A boa notícia é que esses estereótipos tendem a desaparecer diante da crescente busca por independência e a mulher, a cada dia, dá mais provas de que o retrovisor não serve só para passar batom. Tem também o rímel, a sombra, o blush...
Crônica publicada no Jornal Alô Brasília em
14 e
21/09/2012, e reeditado do texto homônimo, publicado neste Recanto em
21/12/2008.