Naquela madrugada, o príncipe Anton acordou novamente empapado em suor. Já não conseguia mais dormir uma noite inteira sem os tais pesadelos, se é que se podia chamar de pesadelo a visão dela, tão linda, tão jovem. Mesmo em meio a toda aquela névoa opressiva, aquele silêncio só quebrado pela respiração ofegante dela, tateando o vácuo, como a procurar por uma saída que não existe. Nem mesmo naquele momento em que seus olhares se cruzavam e ela lhe lançava um apelo angustiado e mudo para, em seguida, desaparecer novamente nas brumas, fazendo-o despertar aflito e suado. Definitivamente, não eram pesadelos. Eram sonhos enigmáticos que há mais de um mês lhe roubavam a paz e o sono.
Nas primeiras vezes, Anton não lhes deu muita importância, embora tenha ficado impressionado com a figura da mulher. Ao cabo da primeira semana, porém, intrigado, começou a tomar nota dos detalhes que se repetiam noite após noite.
Tudo se passava na clareira de uma densa floresta. Ao fundo, antes que o nevoeiro bloqueasse a visão, era possível perceber a mata fechada, de onde a moça surgia, abrindo passagem entre as folhagens. Ela vinha descalça, usando um vestido branco e leve, frouxo. A aparência é quase etérea e a um olhar desatento, ela poderia ser uma sacerdotisa. Porém, contrastando com essa primeira impressão, ela demonstra toda uma nobreza no porte e até alguma petulância nos gestos. O seu desamparo não a assusta: irrita. Sua impaciência e enfado são palpáveis e ela só se desarma e demonstra alguma fragilidade quando seus olhares se encontram. É quando ela tenta dizer alguma coisa antes de desaparecer.
Exausto pelas noites mal dormidas, o príncipe decide procurar o mago Tarturo, seu tutor e conselheiro.
Depois de conhecer os detalhes da desconcertante experiência do príncipe, Tarturo permanece em silêncio por alguns minutos. Apesar de ansioso em ouvir-lhe a opinião, Anton aguarda paciente, pois sabe que é assim que seu velho amigo pensa.
Finalmente, ele olha para o rapaz e pergunta:
– Você quer ir até lá?
Anton não cogitava essa alternativa. Achava que o mago lhe traria alguma explicação sobre o fenômeno, talvez lhe oferecesse algumas ervas que lhe restituíssem o sono tranquilo.
– Sonhos recorrentes são um chamado. – explicou Tarturo. – Há algo para você lá. Penso que você deve ir buscar.
O príncipe aceitou de imediato. De repente, ir ao encontro daquela criatura fascinante era o que mais desejava. Naquela noite mesmo Tarturo permaneceu em vigília ao lado do príncipe adormecido. Ao perceber que ele sonhava, tocou-lhe suavemente a testa e pode ver o que o rapaz via. Não era ainda o sonho esperado, então, discretamente, afastou-se. Somente na terceira tentativa é que viu-se ao lado de Anton numa grande clareira. Olhou atentamente em volta. Viu a mulher aparecendo, o nevoeiro adensando-se, a impaciência dela e depois o olhar suplicante. Constatou que Anton fora preciso na descrição dos detalhes. Segurou com força, o braço do príncipe e murmurou repetidas vezes as palavras mágicas. Depois que a moça desapareceu envolta pelas brumas, eles continuavam lá.
– Tarturo! Você conseguiu! – exultou Anton.
– Sim. Mas essa busca é sua. Eu não estou aqui. – disse ele, evanescendo.
Anton preferia poder contar com a presença do mago, não sabia o que o aguardava. Mas entendia que a missão era mesmo apenas sua. Apertando os olhos, tentou divisar alguma coisa. A névoa era sufocante. Impossível enxergar o que quer que fosse a centímetros de distância, mas o mapeamento do lugar realizado nas sucessivas reapresentações do sonho lhe permitiu caminhar sem sustos até o ponto onde a jovem desaparecia. Era possível ouvir-lhe a respiração ofegante.
– Olá? – chamou.
– Oh! Finalmente! – ela respondeu.
– Onde está você?
– Aqui! – a voz dela parecia vir de todos os lugares à sua volta.
– Onde estamos? Quem é você? – ele perguntou.
– Siga-me. – ela ordenou.
– Para onde? Não vejo nada!
Ela bateu palmas três vezes e as névoas dissiparam-se imediatamente, deixando-o atônito, não apenas por essa inesperada demonstração de poder, mas principalmente, pela beleza dela, ainda mais exuberante agora.
– Quem é você? – ele balbuciou.
– Siga-me! – ela insistiu e, virando as costas, começou a correr na direção da floresta novamente.
Então, parou, olhou para trás e o advertiu:
– Cuidado com os elementais. Eles vão tentar impedi-lo.
Em seguida, retomou a marcha rumo à mata.
– Espere! – gritou ele, lançando-se ao seu encalço e agarrando-lhe uma das mãos.
Antes que pudesse sentir-lhe a maciez da pele feminina, observou, estupefato, que o que tinha nas mãos era um grande rabo peludo. A mulher se transformara num belíssimo puma branco.
Com o susto, soltou-a e pode apenas vê-la embrenhando-se na mata, à sua frente.
Instintivamente, levou a mão à algibeira e sentiu-se aliviado ao encontrá-la. Não estava certo de que estaria vestido, pois fora deitar-se em mangas de camisa. Empunhou a espada e, afastando as plantas que bloqueavam a passagem, entrou na floresta atrás da moça. Já não havia sinal dela, quer na forma humana, quer na felina.
– Onde você está? – chamou.
A resposta foi um rugido em algum lugar à frente.
Ele tentou seguir na direção do som, mas foi impedido por um grande carvalho que lhe bloqueou a passagem. Tentou contorná-lo, sem sucesso. As árvores ganhavam vida à sua volta e sempre que uma delas se movia, deixando livre o espaço onde estivera, outra imediatamente tomava seu lugar para não lhe dar nenhuma brecha de passagem. Sem alternativa, ele agarrou-se a uma delas e começou a escalá-la. As outras o cercaram e, girando, batiam nele com galhos e folhas, até derrubá-lo no chão. Formando um círculo à sua volta, elas foram se juntando cada vez mais, tentando esmagá-lo entre suas raízes protuberantes. Anton correu de um lado para o outro, desviando-se delas, até que elas estavam tão próximas que ele mal conseguia se mover. Num gesto ágil, ele saltou, agarrando um galho mais baixo de uma delas e lançou-se novamente na direção da copa, escalando-a furioso. Para que tornassem a derrubá-lo, as árvores precisariam afastar-se um pouco e foi a sua oportunidade de escapar, esgueirando-se entre elas e retomando a trilha à procura da mulher-puma.
Os sons da floresta eram assustadores e, a cada passo, tinha a impressão de ouvir vozes, mandando-o ir embora, desistir. Cauteloso, caminhou por alguns instantes, até ser cercado por várias borboletas, todas belíssimas com suas cores vivas e desenhos tão desiguais, ainda mais fascinantes quando tocados pelos pequenos feixes de luz do sol que conseguiam atravessar a densa barreira das folhas, nas copas das árvores. Distraído em admirá-las, ele não percebeu para onde seguia e, de repente, sentiu-se afundar.
– Areia movediça! – exclamou.
Anton espetou sua espada com toda força numa pedra e começou a puxar-se para fora, quando as borboletas o cercaram, milhares delas voejando ao redor de seu rosto, pousando sobre os olhos, o nariz e a boca, impedindo-o de respirar. Para espantá-las, precisaria das duas mãos. Para sair do atoleiro também. Sentindo-se sufocar, não teve alternativa. Largou a espada e começou a se debater, arrancando as borboletas de cima de si. Porém, sem ter onde se segurar e agitando-se, em poucos segundos afundou-se até o peito. Quando pensava já estar perdido, um grande rabo peludo acariciou-lhe a face. Agarrou-se a ele e foi içado dali pelo puma branco, que não lhe deu chance de diálogo, soltou um rugido e desapareceu novamente na floresta.
Anton seguiu-a como pode, sempre sendo atrapalhado pelos elementais. Foi atacado por pássaros, macacos e lobos, precisou lutar contra cipós que lhe enrodilhavam as pernas e esquivar-se de pedras que rolaram pelo despenhadeiro. Nos momentos mais críticos, foi ajudado pelo puma.
Finalmente, ele chegou até uma gruta e, ao entrar, deparou-se com uma sala mortuária. No meio dela, sobre uma mesa de pedra cercada por velas tremeluzentes, jazia a jovem do sonho.
– Você conseguiu! Parabéns! – disse o puma.
Anton permaneceu em silêncio.
Saltando com elegância para cima da mesa, o puma postou-se ao lado da morta e explicou:
– Esta é Dafne. É uma ninfa.
As ninfas eram divindades protetoras dos bosques e das vidas ali existentes. Isso explicava sua aparência, etérea como uma deusa, nobre e petulante como uma guerreira.
– Eu sou o último representante de minha espécie. E por isso, perseguido incansavelmente pelos caçadores.
– Um grande troféu. – murmurou Anton.
– Você sabia que os humanos são os únicos animais que caçam por esporte?
Anton meneou a cabeça. Não sabia e também não sabia que pumas falavam.
– Dafne foi morta tentando me proteger de um grupo deles.
– Mas ela não é uma Ninfa? Não são imortais? – perguntou Anton.
– Ela é meio humana.
Anton sentia-se frustrado. Chegara até ali atraído por um sonho descabido para encontrar uma semi-deusa morta. Qual seria o objetivo disso tudo?
Adivinhando-lhe o raciocínio, o puma prosseguiu.
– Dafne é muito querida pelas demais Ninfas. Em especial pela Mãe Natureza que, ao vê-la morrendo, protegeu-a com sua magia da dissociação.
– Dissociação. – repetiu Anton, confuso. – Então, ela não está morta?
– Não. Está enfeitiçada.
– O que é preciso para libertá-la?
– Um beijo. Seu.
– Um beijo meu? Por isso os sonhos?
– Sim!
– Por que eu?
– Isso, não posso lhe responder.
– Quem são os elementais? Por que tentaram me impedir?
– São diabretes que dominam os poderes da natureza. Eles são seres primitivos e entendem que a vitória de Dafne sobre a morte é antinatural. Não podiam permiti-la. – disse o puma, subindo sobre o corpo inerte da ninfa e, como se entrasse numa mulher de água, começou a fundir-se a ela.
Uma profusão de luzes e cores espalhou-se pelo ambiente lúgubre.
– Eu sou sua parcela animal, dela dissociada para proteger seu sono. Minha missão acaba aqui.
E desapareceu por completo, levando consigo toda a luminescência do local, que voltou a ficar iluminado apenas pelas chamas das velas.
Anton aproximou-se lentamente, ainda maravilhado pelas manifestações da magia. Olhou Dafne, extasiado por sua beleza. Então, inclinando-se, a beijou nos lábios.
Desta vez, toda a gruta se iluminou com um clarão. Dafne abriu os olhos e sorriu. Era a primeira vez que ele a via sorrir e, mesmo ofuscado, não conseguia parar de olhar para ela.
– Você é linda! – ele balbuciou.
– Que bom que você veio. Temia que nunca atendesse meu chamado.
– Por que eu?
– Você é minha parte humana.
– Sou parte de você? Isso é a dissociação?
– A você coube vencer a própria morte para trazer-me a vida.
Dizendo isso, ela passou o braço em volta do pescoço dele e, com um novo beijo fundiu-se a ele do mesmo modo que o puma fizera.
Com o que lhe restava de consciência individual, Anton ainda pode observar que toda a gruta resplandecia como uma grande estrela e que a fonte de toda essa luz eram seus corpos em fusão.
Antes de desaparecer por completo na forma de uma renascida Dafne, ele suspirou. Podia sentir. Estava voltando para casa.
Texto escrito para o Desafio Literário da Câmara dos Deputados
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