Textos



Especial de Finados

"Morrer é apenas não ser visto. Morrer é a curva da estrada." (Fernando Pessoa)

Dia de finados, dia de saudades. Para não fazer eco à melancolia imperativa, que tal relativizar um pouco a morte? Em meu terceiro livro, prestes a ser lançado (um patrocínio ajudaria muito!!), há um conto chamado "A Morte e a Morte de Silvano Silva".
Nele, brinco um pouco com a Indesejada. Como meu espaço aqui é menor do que no livro, vou matar (uh! essa foi de morte!) uns trechos.
"Morreu. A causa mortis importa pouco. Resta o fato. Morto estava e enterrado, quando acordou no caixão. Primeiro, a estranheza. Depois, o pânico claustrofóbico. Ignorando a própria condição extinta, apavorou-se à possibilidade de ficar sem ar. Enfim, aceitou a realidade óbvia: não respirava."
Ele ficará um tempo em crise de identidade: é um vampiro, fantasma ou zumbi?
"Lembrou-se dos filmes sobre morto-vivos que arrebentavam seus caixões, as mãos putrefatas surgindo da terra, em frente à lápide. A idéia lhe pareceu atraente, surgiria em grande estilo. (...) Seria mesmo divertido ver o rebuliço provocado por sua aparição triunfal, as carnes podres caindo dos ossos."
Nosso protagonista vai sofrer um pouco para livrar-se do caixão, mas ao invés de pânico, será recebido com festa por um bando de fantasmas. Ele demora a se convencer de que é um deles:
"- E agora? Cadê a luz no fim do túnel?
O fantasma deu de ombros.
- Céu? - o novo-morto insistiu. - Inferno?
- Não sabemos. Desde que morremos estamos por aqui e assim vamos vivendo. Isto é... Bem, você entendeu!
Silvano olhou em volta. Todos pareciam felizes ali. Sentia-se mesmo renascido. Logo fez boas amizades, tornou-se um ótimo jogador de baralho, imbatível no jogo de Canastra. Meses depois, conheceu Adelaide, recém chegada. Apaixonou-se e todos diziam que eles realmente morreram um para o outro. Era a felicidade mais plena. Sem cobranças, horários, fome, sede. Sem trabalho, salário ou banheiro. Era mesmo o paraíso!
Então, Silvano nasceu. Como isso se deu, importa pouco. Resta o fato: estava vivo e reencarnado. Chorou."

A morte é ruptura, mas não é fim.
Que neste dia triste, reine a doce saudade e a gratidão pelos momentos felizes partilhados.



Texto publicado no jornal Alô Brasília de hoje.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 02/11/2012
Alterado em 25/01/2013


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