Textos



Mãos à Obra

 
Obra que é obra não acaba: a gente só desiste dela.
Quem disse ''Se seus sonhos estiverem nas nuvens, (...) eles estão no lugar certo. Agora construa os alicerces.'', certamente, nunca teve que tocar uma obra.



Quem já meteu a cara numa obra, sabe o sufoco que é. É uma quebradeira total: física, emocional e financeira. Isso, quando se tem a sorte de que ela não seja também conjugal. Muito casamento sólido desaba como construções do Sérgio Naya no decorrer de uma obra.
E não precisa ser nem uma das pirâmides ou a bela Esfinge. Uma reforma no banheiro já dá dor de cabeça para mais de ano. Às vezes, é melhor conviver com o gosto duvidoso da construtora ou um pitoresco odor de mofo causado por vazamentos no forro de gesso do que contratar mão de obra, escolher material de acabamento, gastar três vezes o que planejou em quatro vezes mais tempo.
Inevitável: em algum momento, você conhecerá o Jaqui:
- Ah! “Jaqui” vamos pintar a parede, que trocar a porta de lugar?
Este sujeito simpático irá lhe fazer jogar por água abaixo todo e qualquer projeto.
E, por falar em projeto, é bom lembrar que papel aceita tudo. No desenho do decorador, sua sala de jantar vai ficar linda. Na realidade, bem no meio da mesa, há uma coluna de sustentação que você não vai poder retirar de jeito nenhum, ou derrubará os três pavimentos superiores.
Fora as ligações no trabalho:
- Doutor, quando vier pro almoço, traz cimento?
- Mas, eu comprei três sacos ontem!
- Mas acabou, doutor...
- Ai, meu São Jorge! – os santos da devoção nesta hora são sempre guerreiros armados. Dá vontade de canonizar o Rambo - Quantos sacos, Zé?
- Uns três, doutor.
- Três sacos! - engole em seco a vontade de mandá-lo a uma escola de matemática – Que mais?
- Só isso, doutor.
- Certeza?
- Certeza, doutor! “Nós é” profissional! Nosso trabalho é bem planejadinho.
- É? E o cimento?
- Ah! Mas aí é diferente. O doutor veja bem: o seu piso tem um desnível que a gente não tinha percebido antes e...
- Tá, Zé! Xá pra lá! Meio dia eu levo o cimento.
Chegando lá, já há uma lista de outros materiais para comprar, inclusive mais três sacos de cimento. E o “doutor” ainda se exaspera:
- Você disse que não precisava mais nada!
Esquece. Faz parte. O trabalho deles é mesmo de profissional e bem planejadinho: um plano infalível para enlouquecer você.
Continuando o texto da semana passada, em que terminamos falando sobre as ligações dos Zés pedindo material, fora de hora e de planejamento, lembro que é possível ser esperto e se programar para realizar compras sempre que se deslocar do trabalho para casa. Isso ajuda. Mas, não resolve.
Pode apostar que, em algum momento, no meio da tarde, você ainda terá que sair correndo porque alguém conseguiu quebrar um cano que vai deixar o prédio inteiro à seca se você não chegar logo com o reparo.
É curioso e empolgante observar a deterioração de sua boa relação com a vizinhança, por causa do barulho e da poeirada. Quando a vizinha de baixo lhe pergunta, com pretensa simpatia:
- E aí? Tá ficando bonito? Falta muito?
Pode estar certo de que, nas entrelinhas o que ela está dizendo é:
- Da próxima vez que eu estiver ao telefone e alguém ligar aquela maquita dos infernos, fique certo de que eu vou lá, pessoalmente, jogar suas pedras de granito uma a uma pela janela!
Um momento na obra que é especialmente prazeroso para todos que odeiam você é quando lhe cai na cabeça como uma telha mal assentada, a revelação de que a parede ficou torta, o piso desnivelado ou o porcelanato desalinhado. Ou, ainda pior, quando você percebe, pela manhã, que os Zés foram embora na véspera e deixaram ao relento, na noite de maior precipitação pluviométrica do ano, vinte e três sacos de rejunte, doze de gesso e, claro, uns trinta e dois de cimento. Você olha no espelho, vê sua expressão murcha como um maracujá de gaveta e ouve as batidas aceleradas do coração, num som que lhe parece, com perfeição, o tilintar das moedas saindo da sua conta bancária já mirrada para alojar-se nos bolsos alheios.
É incrível! Apesar de minguante, sua conta bancária atrai mais lobos do que a lua cheia. Todo mundo quer tirar uma casquinha, desde as comissões que seu arquiteto recebe pelas indicações que faz (e que você paga), até as taxas que o governo cobra: projeto, alvará, fiscalização...
É claro que obra tem um lado bom. E ele começa a aparecer sempre que ela acaba. Isto é, se ela acabar. Normalmente, você se acaba antes.

 


Crônica publicada no Jornal Alô Brasília em 27/07/2012 e 03/08/2012, e reeditado do texto homônimo, publicado neste Recanto em 22/01/2009.

Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 25/10/2012
Alterado em 25/01/2013


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