Velhacarias
"Os velhacos pugnam muito por seus direitos,
mas prescindem dos seus deveres."
(Marquês de Maricá)
Trezentas toalhas brancas, dez travesseiros de pluma de ganso, duzentos litros de água mineral finlandesa, frutas que só nascem do outro lado do mundo, noutra época do ano... Estas são as exigências que alguns popstars fazem quando vêm ao Brasil. Apesar do exagero delas, os organizadores atendem, claro, de olho nos vultosos lucros advindos dos espetáculos.
Do mesmo modo, a Polícia Civil cedeu às condições para que o ex-distrital, Júnior Brunelli, se entregasse no domingo, 27 de maio: nada de algemas, holofotes ou grades quando fosse preso. São prerrogativas de um membro da OAB que envergonham a população e a instituição pois, embora negue tudo, há indícios de que ele roubou 1,7 milhões de reais que seriam usados para cuidar de velhinhos. Também foi filmado agradecendo a Deus pelo dinheiro desviado.
Só por isso, já era para ter perdido o registro na Ordem e suas benesses, mas não perdeu, talvez não perca e, provavelmente, logo desocupará sua cela de 10 m² na 5ª DP. Afinal, no paraíso da impunidade, nem empregada doméstica assassina confessa cumpre pena integral, que dirá um colarinho branco montado na grana?
Aliás, a semana foi pródiga em velhacarias. Na terça-feira teve palco o depoimento do Demóstenes Torres no Conselho de Ética do Senado. Ele assumiu algumas das irregularidades de que é acusado, mas garante que não fez lobby e não sabia das atividades criminosas do amigo Cachoeira. Mais: diz-se injustiçado, magoado e traído. Logo ele, um verdadeiro carola.
Inevitável lembrar do Bart d’Os Simpsons. Num dos episódios da série, o moleque fica famoso ao derrubar o cenário de um show de TV. Diante das câmeras e do inegável flagrante, diz: “eu não fiz isso”, arrancando gargalhadas da platéia. É, então, contratado pelo canal como o “garoto-eu-não-fiz-isso” e seu bordão conquista a cidade, até que cansa e acaba.
O episódio critica as TVs e a exploração exaustiva dos sucessos de momento, mas é curioso observar como a filosofia de Bart contém adeptos por aqui. Na política tupiniquim, o garoto-eu-não-fiz-isso só encontra rival à altura, mesmo, no menino-eu-não-sabia.
Crônica publicada no Jornal Alô Brasília em 02/06/2012.