A Lista de Chiquinho
Todo ano, Chico viajava de férias para a praia com seus pais. Desta vez, porém, ia ser diferente. Seu Pai não ia poder viajar com a família e a mãe não queria ir sozinha com o menino para a praia.
– Por que não vão ao Sítio do Carlão? Eles vivem convidando... – disse o pai.
Ela pensou um pouco e até gostou da idéia. Fazia tempo que não visitava o primo. Quando crianças eram grandes amigos, mas, depois que ele largou o emprego e encasquetou de ir criar galinhas no interior de São Paulo, quase não se viam mais.
Daí, para combinarem tudo, foi um pulo e, já no primeiro dia de suas férias, Chico e a mãe embarcavam rumo ao Sítio Frango Gostoso.
Foram recebidos com festa pelos moradores do local, que já os esperavam para o almoço, a mesa farta, a comida cheirosa e bem temperada.
Chico fez logo amizade com os outros meninos dali e passou a tarde brincando com eles no riacho, cheio de cachoeiras e lagoinhas.
Mal escureceu, todos entraram para tomar banho e jantar. Foi servida uma deliciosa canja de galinha. Chiquinho bateu palmas:
– Num frio desses, não tem coisa melhor! – ele disse.
Depois, todos em volta da fogueira, acotovelavam-se para ouvir as histórias do primo Carlão.
Chico, apesar de exausto, não quis arredar o pé dali, enquanto o primo não terminasse de contar o causo do caboclo que passou a perna no jacaré de botina. O menino nunca riu tanto!
Na manhã seguinte, Chiquinho e a mãe foram convidados para conhecer a criação. O garoto ficou encantado em ver as galinhas cercadas de pintinhos, ciscando alegremente. Uma delas fez todos rirem, quando cismou de puxar-lhe o cadarço do tênis.
– Qual é o nome dela? – ele quis saber.
– Galinha. – deu de ombros um dos outros garotos.
– Eu sei que é uma galinha, – respondeu Chiquinho – queria saber o nome dela.
– A gente não dá nome a elas.
– Ah! Mas eu gostei tanto dela. Posso dar um nome, então? – perguntou.
Os outros acharam graça na ideia do pequenino.
– Vá em frente, respondeu Carlão.
– Hum... Já que você gostou do meu tênis, dona galinha, eu vou lhe chamar de Nike.
E pegou Nike no colo.
– Onde você vai com esta galinha, menino? – perguntou-lhe a mãe.
– Ué! Levá-la conosco ao passeio.
A mãe já ia lhe dizer que não, mas Carlão fez um sinal para que ela deixasse. Ele estava curioso para ver onde isso ia acabar.
Mal sabia ele o tamanho da confusão que estava arrumando.
Com Chiquinho carregando a nova amiga, eles retomaram a caminhada. Ao lado do galinheiro havia um chiqueiro, onde famílias inteiras de porquinhos se refestelavam na lama e, um pouco mais adiante, no curral, uma única vaca leiteira abastecia dois galões de leite e ainda amamentava um bezerrinho.
Tudo era diversão e novidade para o menino, até chegarem a um galpão, bem a tempo de verem, lá dentro, o caseiro matar um frango. Com um puxão certeiro, ele quebrou-lhe o pescoço.
– Não! – gritou Chiquinho. – Por que você fez isso?
– Uai! Dona Maria mandou. – respondeu o rapaz, buscando a aprovação do patrão.
– E por que ela faria uma maldade dessas? – o menino estava indignado, e apertava Nike contra o peito.
– Para o almoço, Chiquinho. – respondeu o primo Carlão, em socorro ao empregado.
O menino olhou para ele sem entender nada.
– Vamos servir frango assado. – Carlão explicou.
– E por que não compraram no supermercado? – Chiquinho retrucou, indignado.
Todo mundo riu. Até a mãe dele, que depois se arrependeu, pois ele realmente estava muito confuso com aquilo. Ela, então, lhe explicou que os frangos que se compra no supermercado são exatamente como a galinha que ele tinha nas mãos, só que mortos.
Chico não podia acreditar nisso. Durante anos, comera frango, adorava frango, sem nunca imaginar de onde vinha aquela carne tão saborosa.
– Toda a carne que a gente come vem de bichos?
– Sim, filho. O bacon vem dos porquinhos, o bife vem do boi...
O menino levantou os olhos até o curral e o chiqueiro, onde os bichos levavam suas vidinhas despreocupadas, sem saber que destino lhes aguardava.
– E a cebola do bife?
Desta vez, até o caseiro segurou o riso. A mãe explicou ao garoto a diferença entre as carnes e os vegetais.
– Nunca mais como carne!
E saiu correndo, apertando Nike com tanta força contra o peito que a bichinha reclamou, com um co-có bem miudinho.
Ele afrouxou um pouco o abraço, mas só parou de correr, quando chegou ao galinheiro. Sentou-se na porta e ficou ali, chorando lágrimas sentidas de culpa e raiva por nunca terem contado isso a ele.
Quando os outros o alcançaram e tentaram tirá-lo dali, ele não quis ir.
– Não! Vocês não podem matar as minhas amigas! – ele gritou.
– Ih, prima! Temos um problema. – disse Carlão, coçando a cabeça. – Tenho uma encomenda para hoje à tarde: são trinta frangos para um buffet da cidade.
A mãe falou, Carlão pediu, o caseiro resmungou e os outros meninos caçoaram dele, mas não havia meio do menino arredar o pé dali. Quando viram que não tinha mais jeito, apelaram mesmo para a força. Um dos garotos devolveu a Nike ao cercado enquanto o menino era levado pela mãe.
– Não! A Nike, não! – ele implorava, se debatendo.
O primo Carlão, para diminuir um pouco o desespero dele, prometeu:
– Está bem. Aqui a gente não mata bichos de estimação e, já que o menino pegou estima pela carijó, fica sendo dele e ninguém mexe nela.
Pra que o primo foi falar isso?
Na mesma hora o garoto parou de chorar e apontou:
– Ah! Então, não matem também o Amarelo, o Genival, o Comportado, o...
– Espera aí! Quem são esses? – Carlão perguntou.
– Meus galinhos de estimação, primo! Você prometeu.
Agora, sim, Carlão via o tamanho da confusão que tinha arrumado. Porém, promessa é promessa e ele pediu ao menino para que separasse os seus galinhos de estimação.
O menino entrou no galinheiro e foi carregando para um espaço isolado, todos os galos, galinhas e franguinhos que conseguia pegar. Para cada um, dava um nome:
– Pafúncio, Astrobaldo, Emengarda, Felisberta, Antonieta...
E, para não ficar sem opção de nomes, foi dando os nomes dos seus colegas da escola, depois, dos personagens dos desenhos.
A mãe resolveu acabar com a brincadeira. Assim, não sobraria nenhum frango para o primo cumprir seu compromisso. Segurou Chiquinho:
– Chega, filho! Não podemos ter tantos bichos de estimação assim. Imagine levá-los todos pro apartamento.
O menino, exausto de correr atrás das galinhas, acatou. Mas, antes de concordar em seguir a mãe, fez o primo jurar de novo que não mataria os frangos escolhidos.
No almoço, tudo o que o menino ia comer, conferia primeiro com a mãe se era carne ou se era vegetal. Nem quando alguém sugeriu abrirem uma lata de sardinha para dar a ele, o menino quis.
Apesar disso, a paz retornou ao Sítio. À tarde, envolveram-no em muitas atividades, esforçando-se para distrair o garoto, que não viu quando os frangos foram despachados.
Com o passar dos dias, os franguinhos de estimação aumentavam, e vieram juntar-se a eles quatro leitõezinhos e uma porca bem gorda. Todos tinham nomes e o menino fazia questão de contá-los a cada vez que ia ver a criação.
Porém, Chiquinho sabia que, assim que ele deixasse o Sítio, o primo esqueceria a promessa.
Ele, então, ligou para um colega da escola e pediu-lhe que pesquisasse, na Internet, um lugar para onde mandar seus escolhidos. Seria temporariamente, somente até ele crescer e poder, ele mesmo, manter os bichos.
O amigo retornou com vários lugares, chamados Santuários. Porém nenhum com capacidade suficiente para receber tantos animais de uma vez.
Ele, pensou um pouco e logo teve uma ideia: mandaria um pouco para cada um desses santuários. Como pretendia buscá-los assim que possível, pegou um velho caderno e fez uma lista, com todos os seus bichos e os locais para onde mandaria cada um deles. E andava com este caderno para cima e para baixo, verificando seus amigos bichos, sempre dando um jeitinho de incluir mais um. Todos já sabiam da existência do caderno e da interminável Lista do Chiquinho.
Um dia, o primo Carlão, muito sério, chamou a todos para conversar.
– Chiquinho, sente-se aqui, perto de mim.
Chiquinho estava triste, porque não conseguiria salvar todos os bichos do Sítio. Sentou-se cabisbaixo ao lado do primo, que pediu:
– Deixe-me ver o seu caderno.
O garoto obedeceu. O primo prosseguiu, bem sério:
– Vamos ver quantos bichos de estimação você quer levar daqui.
Chiquinho esperava ansioso. Será que o primo não lhe daria os bichos? Ah! Mas se fosse preciso, pediria ao pai para comprá-los dele. A essa altura, já os conhecia mesmo pelos nomes.
– É, garoto! São muitos!
Ele tentou falar, o primo interrompeu.
– Veja, Chiquinho, você plantou uma semente aqui. As crianças já não acham mais tanta graça em comer carne. Tem até alguns adultos que diminuíram muito o consumo. Aliás, você me complicou um bocado, pois ninguém mais quer matar os bichinhos. Você nos comoveu a todos, com o seu empenho em salvá-los, o capricho com que montou este caderno...
Chiquinho ficou esperando o “mas”. Sempre que a mãe ou o pai faziam elogios assim, em seguida vinha um “mas”. E veio:
– … mas, não posso deixar você tirar todos esses bichos daqui.
As lágrimas começaram a brotar.
– Eu vou pagar por eles, primo! – ele pediu.
– Não é pelo dinheiro, filho. É porque eles já estão acostumados por aqui. Além disso, sei lá se esses santuários são mesmo bons, se vão cuidar bem dos bichos...
Chiquinho estava confuso. O que pretendia Carlão? O primo continuou falando:
– … então, nós pesquisamos um pouco como funcionam esses lugares e decidimos transformar o Sítio do Frango Gostoso num santuário também.
– Como assim, primo?
– Seu pai aceitou ser meu sócio, vamos explorar o ecoturismo do local.
O menino não estava acreditando. Era bom demais para ser verdade.
– Tem uma condição. – Carlão falou.
– Qual?
– Assim que voltar à cidade, você vai com sua mãe a um médico, para ele acompanhar essa sua dieta vegetariana, está bem?
– Claro, primo! Eu prometo! – disse o menino feliz da vida. Afinal, ele faria qualquer coisa para salvar a Nike, o Amarelo, o Genival, o Comportado, o Pafúncio, o Astrobaldo, a Emengarda, a Felisberta, a Antonieta e todos os outros bichos da Lista de Chiquinho, incluindo quatro leitõezinhos e uma porca bem gorda.
E assim, com algumas obras, o Sítio Frango Gostoso passou a se chamar Santuário Ecológico São Chiquinho, em homenagem ao menino e ao santo protetor dos animais.
Texto escrito para o Desafio Literário da Câmara dos Deputados
Contos de Fadas da Dinamarca - Etapa 2 - Opção 5