De Bico Calado
Segredos... melhor não tê-los.
Certo. Não generalizemos! Algumas coisas exigem mesmo sigilo: estratégias de negócio, senhas (do banco, computador, internet...), nossas armas na guerra ou no amor...
Fora isso, o ideal é que nossas vidas sejam vividas às claras. O que nunca é exposto ao sol corre o risco de morrer ou mofar. Deixe esse destino apenas para as coisas nefandas, como corrupção, negociatas, acordos espúrios, relações impróprias.
O fato é que gasta-se muita energia para manter um segredo. Ocultá-lo requer cuidados, atenção, esforço para eliminar-lhe os rastros. E, dependendo do seu tamanho, do impacto de suas consequências, perde-se o sono e a fome, à iminência de sua revelação.
Há algum tempo, assisti uma divertida comédia inglesa: "De Bico Calado", de 2005. O filme começa mostrando Maggie, uma linda jovem interagindo tranquila e educadamente com os outros passageiros em um trem, enquanto, no bagageiro, sua mala sangra. Dentro dela, estão os corpos do noivo de Maggie e da amante dele, mortos por ela, ao descobrir-se traída. Ao sair da prisão, quarenta anos mais tarde, Maggie vai trabalhar como governanta para o reverendo Goodfellow, sua esposa Gloria e os dois filhos do casal. A família Goodfellow está em ruínas e, aos poucos, Maggie os ajuda a resolver seus problemas, com muito jeitinho, bons conselhos e... assassinando todos que ameaçam a paz daquele lar: desde o cachorro do vizinho que late a noite inteira provocando insônia e irritação, até um picareta americano que tenta seduzir a senhora Goodfellow. Quando as coisas começam a se acertar, a filha do casal vê uma reportagem na TV e descobre a identidade da empregada. Ela e sua mãe confrontam a velha senhora que confirma toda a história e acrescenta mais um detalhe: ao ser presa ela estava grávida e a criança, colocada para adoção, era ninguém menos que Gloria. Ela também confessa os assassinatos recentes e lhes revela o local onde desovou os corpos. Embora chocadas, mãe e filha decidem manter o segredo da velha senhora. No dia seguinte, Maggie vai embora, uma macabra Mary Popins, partindo com sua malinha e guarda-chuva, sob os olhares ternos e gratos daquela família que ela ajudou a reconstruir. O filme termina justamente com a significativa troca de olhares entre Glória e a filha, quando esse segredo é ameaçado, dando a entender que elas deverão tomar para si a incumbência de protegê-lo. Dependendo de quanto a sociopatia de Maggie tenha sido herdada por elas, pode-se prever um holocausto na cidade.
É claro que o filme todo é uma caricatura, porém, ele dá mostras de como as opções que se apresentam para que se mantenha um segredo terrível podem ser ainda mais desastrosas do que o próprio segredo.
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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Três Mulheres e um Segredo
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