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O Menino Desandou

– Ai, dona Zuleica, coitada da Mariinha!
– Aquela sua vizinha?
– Ela mesma! Tão boa, religiosa!
– E o que houve?
– O filho dela, o Serginho. Virou gay!
– Ninguém vira gay, Helena! Ele só se assumiu.
– Ih, dona Zuleica! Que diferença faz?
– Tem razão, Helena. Bobagem minha.
– Bobagem, dele! Um rapaz tão bonito! Será que tem cura?
– Cura!?
– Pra esse menino virar homem de novo, ué!
– Homossexualismo não é doença, Helena!
– Só pode ser, dona Zuleica! Virou epidemia! Cada dia aparece mais um.
– Não, Helena! Apenas hoje, com as leis e campanhas contra a homofobia, as pessoas podem se expor mais.
– Aff! Era melhor ter escondido! É muito feio, dois homens se beijando!
– Ô, Helena! Você tem que aprender a respeitar as pessoas como elas são. Respeitar a diversidade.

– Diversidade?
– Sim! Diferenças! De cor, credo, cultura...
– Eu respeito! Não tenho nada contra índio, negro, branco e misturado. Ouço todo tipo de música e não chuto nem santa, nem despacho. Mas, o garoto tinha que desandar desse jeito? A mãe tá pra morrer e o pai quer matar um!
– Não pode, Helena! Conversa com eles! Têm que aceitar, apoiar.
– Ah, não, dona Zuleica! Não dá pra aceitar! Imagina se fosse um dos meninos, se fosse o Juquinha, hein!?
– Olha, Helena! Não vou mentir! Eu ia ficar triste, porque sei que, por mais que os tempos mudem e as leis ajudem, ele ia sofrer muito. Ia conviver com o preconceito na escola, no trabalho, nas amizades... Mas, aqui em casa, ele receberia todo o apoio e todo o amor que eu pudesse dar. Até porque a vida dele, lá fora, já ia ser bem difícil!
– Mas por que inventou de ser gay?
– Não inventou, Helena! Ninguém resolve isso. Muito provavelmente, ele lutou contra a natureza dele com todas as forças, até chegar à conclusão que tinha que se aceitar.
– Sei não! Se fosse filho meu, acho que eu não aceitava. Isso é pecado, sabia?
– Não entendo muito dessas coisas, Helena, mas acho que Deus não ia criar pessoas com esse tipo de desejo para condená-las por isso, né?
– Ah, é?! E os tais pedólogos?
– Pedólogos?
– É! Que abusam de meninos!
– Ah! Pedófilos, Helena.
– Isso! Deus também não “criou eles”?
– Acho que não, Helena! Quem criou esses daí foi o “outro”!
– Ué! Não é tudo a mesma coisa!? Não é tudo desejo diferente?
– Não dá pra comparar, Helena! O pedófilo explora a inocência e fragilidade das crianças. Muitas vezes usa da força, sempre da tortura psicológica.
– Isso, é! Aí, é maldade!
– Pois é! A gente tem que respeitar as diferenças, mas sempre lembrando que o direito de um acaba onde começa o do outro. E, quando o outro é um incapaz...
– Tipo o Juliano?
– Não, Helena! O Juliano é só preguiçoso! Incapaz é quem não pode se defender sozinho: crianças, idosos, doentes, animais...
– Ah, sim!
– Então... Neste caso, todos temos que zelar pelos direitos deles. Muito mais feio que dois homens se beijando, é uma criança morrendo de fome, né, não!?
– Tá, dona Zuleica! Vou conversar com a Mariinha! Não sei se vou saber falar assim, desse jeitinho, mas vou tentar.
– Isso, Helena! Depois me diga o que deu.
– Hum, hum. Dona Zuleica, me diga uma coisa.
– Digo.
– A diferença entre pobres e ricos também é diversidade?
– Não, Helena! Diversidade é coisa boa, merece respeito. A diferença entre pobres e ricos é desigualdade social. É nociva e deve ser combatida.
– Hummm! Então, acho que está na hora de combater a desigualdade nesta casa! Que tal me dar um aumento, hein!?

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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Diversidade
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Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 25/06/2012
Alterado em 25/06/2012


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