O Mordomo é o Culpado
(com Gy Emygdio e Suzana Coelho)
Naquela noite, Godofredo jantou sozinho. Candislaine estava em um bingo beneficente e voltaria tarde.
O velho empresário não gostava muito dessas saídas da mulher mas preferia não contrariá-la. Nutria um afeto paternal pela esposa, 45 anos mais jovem e o casamento recente fora apenas um artifício para amenizar a solidão de uma viuvez de mais de três décadas.
Quando Florisbela, sua primeira esposa morrera de parto, levando consigo a esperança de descendência, nunca mais se animara a contrair matrimônio. Dedicou-se ao trabalho e, se já era rico, o seu consolo, nos anos seguintes à morte da amada esposa, foi amealhar ainda mais riqueza.
Candislaine foi contratada para cuidar do horário de sua medicação e acompanhá-lo nos passeios que fazia diariamente pela propriedade ou em eventuais visitas à fábrica, onde ia agora raramente, apenas para participar de alguma reunião em que sua presença fosse necessária. Havia delegado poderes ao grupo de acionistas principais, mas ele ainda era o acionista majoritário da empresa e era dele, sempre, a última palavra.
Em pouco tempo, Candislaine se fez imprescindível. Rodeava-o de mimos e cuidados que há muito tempo ele não tinha. Foi-se afeiçoando à moça e, para não a perder, propôs-lhe casamento. Por já beirar os setenta anos, houve um acordo pré-nupcial, que protegia o seu patrimônio em caso de uma separação. Candislaine, porém, decerto não ficaria desamparada, quando ele morresse, pois era uma das beneficiárias de seu testamento.
Outras pessoas também foram contempladas: o sobrinho Onório, que, coitado, estava sempre metido em negócios mal-sucedidos e não conseguia singrar na vida, e Batista, o fiel mordomo, que servia ao patrão há muitos anos, e podia-se dizer que era a sua sombra.
Logo após o jantar, Godofredo dispensou o mordomo e foi deitar-se. Leria um pouco até a esposa chegar. Porém, bastou recostar-se para sentir-se um pouco tonto. Teria tomado o remédio para a pressão? Candislaine nunca o deixaria esquecer. Não quis chamar Batista para não alarmá-lo. Não queria médicos, a essa hora, invadindo a sua casa e atrapalhando o seu descanso e o doutor Quirino, médico de cabeceira desde a morte de Florisbela, corria para lá ao menor sinal de alarme. Então, apenas fechou os olhos e aguardou o desconforto passar.
Naquela noite, Batista não fez como de costume. Agitado com seus próprios pensamentos, resolveu dar uma volta no jardim antes de se recolher ao dormitório.
O velho serviçal parecia só agora se dar conta da vida pífia que levava. Seu mundo se restringia àquela mansão, à organização da casa, a deixar tudo sempre muito impecável, como gostavam os patrões. Desde que começou a trabalhar para Godofredo, foram raros os momentos em que trocara o uniforme por um traje de passeio.
- Que vida é essa? - lastimava-se.
Mas o que lhe inquietava a alma nem era tanto o trabalho, pois gostava do que fazia; na verdade, o que lhe roubava a razão era Candislaine. Pelo buraco da fechadura, numa tarde, chegou a vê-la de costas, nua, a pele alva como a neve, o cabelo negro. Como era bonita! Batista, mais do que nunca, passou a desejá-la.
É certo que já não era tão moço, mas Godofredo também não o era. Além disso, era homem alinhado, fino, os cabelos grisalhos davam-lhe um charme todo especial. No afã de bem servir aos patrões, não medira esforços em se informar, sabia as regras de etiqueta, conhecia os bons vinhos, os mais variados cardápios, das línguas francesa e inglesa muito conhecia.
Obcecado pela ideia de que Candislanie poderia ser sua, Batista chegou a imaginar que ela nutria por ele um sentimento diferente. Sempre cordial, a patroa um dia o convidou para acompanhá-la à cidade. Ela desejava comprar um presente para uma amiga que estava aniversariando e, sabendo Batista conhecedor dos bons perfumes, nele logo pensou para auxiliá-la, pois não queria fazer feio.
O passeio durou mais do que o planejado e terminou em uma confeitaria, onde, convidado a se despir de tanta formalidade, o velho mordomo, por um instante, viu na patroa a namorada, a esposa, a companheira que nunca tivera.
Batista, contudo, não se deixava enganar. Sabia que, para Candislaine, o amor desacompanhado de luxo, de conforto, de roupas finas, de viagens ao exterior nada significava.
Do relógio da matriz Batista ouviu as vinte e quatro badaladas, já era tarde, precisava voltar ao seu quartinho, mas, antes, passaria na alcova do patrão. Algo precisava ser resolvido definitivamente.
Ao entrar na casa, deparou-se com Candislaine, que acabara de chegar e, alheia à sua presença, conferia a aparência no espelho do hall. O cuidado fazia-se necessário. Sua roupa estava amarrotada, a maquiagem borrada, o pescoço apresentava-se vermelho e irritado como se... Batista não pode concluir o raciocínio. Culpou-se por julgá-la mal. Não fazia sentido levantar suspeitas sobre aquela mulher. Nunca, em hipótese alguma, aquelas marcas teriam sido provocadas por uma barba mal feita, outra coisa que não a avidez de mãos afoitas teria deixado suas roupas tão amarfanhadas e aquele pequeno volume que ela retirava agora do bolsa para tornar a vestir por sob a saia jamais seria uma... calcinha!
Batista não podia acreditar. Candislaine, a mulher que ele desejava tão fortemente, a mulher por quem estaria disposto a mudar completamente de vida, deixar para trás tudo o que vivera nas últimas décadas, a mulher pela qual seria capaz de matar ou morrer... Candislaine, sua Candislaine. Candislaine tinha um amante!!
A esta palavra, sentiu um aperto no peito que se espalhou pelo estômago formando uma bola pesada, dolorida, que lhe deu ânsias de vômito.
Tentando conter a golfada ácida que lhe subia pelo esôfago, queimando-lhe a garganta, soltou um pequeno grunhido, assustando a patroa.
Ela virou-se rápidamente e, ao se deparar com ele, suspirou aliviada:
- Ah! É só você... - disse com indisfarçável desdém.
Batista sentiu-se ainda mais angustiado com o tom dela, sentiu-se miserável, infeliz, velho! Um velho babão, como o idiota do senhor Godofredo, que achou que uma mulher como aquela lhe seria fiel.
Candislaine o observava, divertida. Era curioso ver o sempre tão solene Batista transtornado daquele modo, mesmo adivinhando-lhe os desejos, a cobiça que o velho criado lhe nutria. Que tola não perceberia os olhares, os gestos, a forçosa exibição de suas nobres qualidades?
Ferido em sua dignidade, diminuído em sua condição de homem, o mordomo recuperou sua tradicional empáfia, retesou o corpo e disse com voz empostada:
- Boa noite, senhora. Estava indo deitar-me. Deseja alguma coisa antes de se recolher?
Aquela mudança de atitude dele a confundiu um pouco. O que o homem estaria tramando? Decerto, pretendia contar tudo ao patrão.
- Desejo, sim! - ela respondeu, aproximando-se dele, com um insinuante meneio dos quadris. - Vem cá. - ordenou, puxando as mãos dele para acomodá-las em volta de sua própria cintura. Em seguida, enlaçou-o pelo pescoço, os lábios carnudos entreabertos, exibidos, oferecidos ali, a centímetros dos dele.
Batista podia sentir-lhe o hálito, seu perfume o inebriava, não podia mais resistir.
Ela, porém, num movimento gracioso da cabeça, olhou para cima, para a escadaria que subia para o primeiro andar, e sussurou:
- Espera, acho que ouvi um barulho... depois, Batista, depois conversamos... - e, soltando-se das mãos dele, subiu as escadas com aquele jeito provocador que enlouquecia o mordomo.
Quase uma hora depois, ouviram-se gritos desesperados, pela casa. Batista, vestindo o seu robe de chambre surrado, correu em direção aos aposentos de onde vinham os gritos. Dentro do quarto, uma Candislaine histérica apontava para a cama.
- Olha, Batista, olha lá! Ele está morto!
Godofredo jazia imóvel, numa posição estranha, com o corpo retorcido, como se tivesse se debatido muito para morrer. As roupas de cama estavam desarrumadas, parecia ter havido ali uma batalha campal.
O mordomo, assumindo o controle, confirmou a morte do patrão, e chamou a polícia.
Em poucos minutos, ouviu-se a campainha. Batista, que já estava a postos na porta da sala, deu entrada a um apressado investigador de polícia que, seguido de um ajudante, quis logo saber:
- Onde é? Onde está o corpo? - sem cerimônia, vasculhava toda a sala.
O mordomo encaminhou-os ao quarto do patrão, onde a jovem soluçava baixinho, sentada num canto do recinto.
Enquanto o ajudante fotografava tudo, o Detetive Abelardo, com um bloquinho na mão, fazia perguntas. Queria detalhes:
- O que foi? Como foi? A que horas foi? Quem descobriu?
Candislaine, atarantada, balbuciava que, enquanto estava no banho, ouviu barulhos no quarto, gemidos; que, quando chegou perto da cama, Godofredo ainda se contorcia, até finalmente ficar parado; que ela tentou reanimá-lo, em vão; que começou a gritar por socorro...
Já o mordomo relatava que deixara o patrão no quarto, depois do jantar. Que ele comera o de sempre, uma sopa que o próprio Batista costumava preparar.
Nesse momento, Onório entrou no quarto, lívido:
- Vim assim que me ligou. O que aconteceu aqui? O que houve com o meu tio?
Candislaine abraçou-o, chorando muito. Tentando contar o ocorrido, foi interrompida pelo Detetive:
- Quem é o senhor? Quem o chamou?
- Fui eu, Detetive - assumiu a moça. - Liguei para ele, assim que vi o Godofredo passando mal. É o único parente que o meu marido tem.
O mordomo a tudo assistia com a fisionomia impassível. Ninguém poderia imaginar o que lhe ia por dentro. Ver Onório e Candislaine tão íntimos deixou-o roído de ciúmes. Porque ela não o chamara primeiro? Afinal, ele estava ali mesmo. Por que ela ligara para Onório? Se era ele que tudo resolvia nessa casa, a quem todos acatavam.
O investigador tomava notas. Da maleta que o ajudante carregava, saíam lupas, pozinhos que espalhava pelos móveis, até um microscópio... O Detetive Abelardo franzia o cenho e, enquanto soltava baforadas do seu cachimbo, matutava, consigo mesmo:
- É quase certo que ele foi envenenado, mas, quem? O mordomo que foi quem lhe serviu a janta? Mas, seria um tanto óbvio. Não pode ser o mordomo! Isso só acontece nos romances.
E voltou a sua atenção para o jovem casal.
Com voz imponente, dirigiu-se primeiramente à jovem viúva:
- A senhora sabe se o seu esposo tinha algum desafeto? Alguém que teria motivos para por-lhe fim à vida?
A moça, incomodada com as perguntas e com o olhar acusador do detetive, respondeu exaltada:
- Não, não senhor detetive, imagina, Godofredo era uma pessoa bem quista, nunca mencionou nada, não vejo motivos para que alguém fizesse uma barbaridade dessas. Oh, meu Deus, o que será da minha vida? Não tenho mais ninguém por mim, as contas, a casa, como vou conseguir manter tudo, a empresa, os empregados, minhas viagens, minhas roupas, meus perfumes, as peças de teatro, minhas joias, que desgraça...
Sim, poderia ser ela, pensava o detetive. Uma moça tão bela, no frescor da juventude, o que poderia esperar de um velho que mais lhe parecia avô? Claro, tinha um amante, por isso precisava se desvencilhar daquilo que a impedia de viver um grande amor. Simples! como era ela que se incumbia da medicação do velhaco, bastava dar-lhe uma dose extra. O quarto desarrumado? Tudo armação para disfarçar a causa do homicídio. Seu cúmplice certamente contribuiu, estava por perto, e, após Godofredo ficar sem sentidos, ajudou a sufocá-lo, amarrotou a roupa de cama, lançou ao chão o livro de cabeceira, ajeitou o cadáver no leito e pronto, a jovem senhora estaria livre para se atirar de vez nos braços de quem lhe arrebatara o coração.
Os pensamentos do detetive foram interrompidos pelos passos de Onório, que, sem parar, andava de um lado para o outro balançando a cabeça.
Claro, só podia ser ele, o amante, bem ali na sua frente! Virando-se para o rapaz, indagou o detetive:
- Senhor Onório, onde o senhor estava antes de receber o chamado de Candislaine? O que fazia? Com quem estava?
- Bem, eu, eu - balbuciava o moço, cujo rosto pálido banhava-se em suor.
- Diga, rapaz, onde você estava?
- Eu... Eu estava num evento beneficente, num bingo promovido pelas irmãs de caridade.
O detetive viu na resposta um blefe.
O casal de amantes ali: a jovem viúva e o único parente vivo do velho Godofredo, Onório, cujas dívidas eram conhecidas de todos na cidade. Por que não matar o velho? O rapaz garantiria, assim, o que lhe era devido por herança e teria para sempre Candislaine. Um plano perfeito!
- Onde está ele? Onde está ele?? Oh, meu Deus! Onde? - gritou uma voz de mulher no andar inferior.
- O que está acontecendo aí? - perguntou o investigador, apoiando-se no guarda-corpo do mezanino, irritado por tão estridente interrupção à sua brilhantemente rápida conclusão daquele caso.
Olhando para baixo, vislumbrou dona Eurípides, secretária particular de Godofredo, inconsolável, andando de um lado a outro, enquanto seu atarantado auxiliar tentava impedi-la de subir.
Era sabido por todos que o conheciam que a velha senhora, baixotinha e feia, há anos nutria uma forte paixão por Godofredo. Na ocasião da morte de Florisbela, ela achegou-se muito a ele e muitos acreditaram que ela acabaria por conseguir fisgá-lo. Mas o homem estava convicto de seu celibato e não lhe deu nenhuma esperança. Eurípides nunca se conformou com isso. Restou solteirona e rabugenta e aquele amor incubado converteu-se num crescente rancor, parido com fúria quando o patrão desposou Candislaine.
Não fosse seu completo desespero ao saber da morte de Godofredo, a mulherzinha seria uma forte candidata a suspeita.
- Como ela soube? - perguntou aos presentes no quarto.
Ninguém soube informar. Nenhum dos três acusou-se de tê-la avisado.
Com um aceno, deu ordem para que seu auxiliar a deixasse subir.
Eurípides subiu a escada, aos trambolhões, e entrou no quarto, esbaforida. Ao ver Godofredo contorcido na cama, não se conteve: caiu em cima dele, aos gritos, e teve que ser retirada à força, para não atrapalhar a cena do crime. A essa altura, o Investigador Abelardo já estava mais do que convencido de que ali ocorrera um crime.
Ela sentou-se numa cadeira, olhando fixamente o corpo do ex-patrão. Balbuciava coisas desconexas, mas podia-se perceber que acusava Candislaine de tê-lo matado.
- Acalme-se, senhora! - ordenou Abelardo. - Preciso fazer-lhe umas perguntas. Por que veio aqui, a esta hora?
Acostumada a obedecer ordens, recompôs-se rapidamente, e olhou para ele, disposta a colaborar, ainda mais se fosse para esclarecer o que acontecera com o seu adorado chefe.
- Eu trabalho, quer dizer, trabalhava para o Dr. Godofredo. Estive aqui mais cedo para ajudá-lo a preparar o relatório que ele levaria amanhã para a reunião de Diretoria.
- A que horas a senhora saiu?
- Oh! Batista já estava servindo o jantar. Depois que ele se casou com essazinha daí - apontou para Candislaine - não me agrada permanecer nesta casa por mais do que o mínimo necessário.
- A senhora teve acesso à comida dele?
- Não, não! Saí logo.
Batista não se conteve.
- Correção: a senhora serviu-lhe uma taça do vinho!
Completamente perturbada por ter-se deixado pegar em mentira, ela voltou a balbuciar coisas sem sentidos e acusações à Candislaine e ao mordomo.
- Isso é verdade, dona Eurípides? - interrompeu o detetive.
Ela recobrou a compostura, fazendo um enorme esforço para parecer buscar algo na memória.
Enfim, assentiu.
- Não estava mesmo lembrada... A idade, sabe como é! - sorriu, amarelo.
- Certo, certo! E por que retornou agora?
- Ah, sim! É que, quando cheguei em casa, resolvi retomar o trabalho e tive umas dúvidas. Liguei, para falar com o doutor Godofredo e ele me disse que se sentia muito mal, que não conseguia falar, e desligou sem dizer mais nada. Então, eu fiquei angustiada e achei que alguma coisa ruim estava para acontecer. Não sabia o que fazer e, finalmente, resolvi vir.
- É o tal relatório? - perguntou ele apontando para um calhamaço de papéis que lhe saltavam da velha bolsa.
- Ah, sim! Trouxe tudo comigo.
O detetive pediu para ver os papéis. Depois de lê-los, anotou algumas coisas no seu bloquinho; o cachimbo parecia uma locomotiva, soltando fumaça.
De repente, voltou-se para os presentes e ordenou que saíssem.
- Aguardem todos no andar de baixo!
Sozinho com o ajudante, começou a andar em círculos dentro do quarto. Era assim que ele equacionava as questões. Rodava e raciocinava. O ajudante já estava acostumado.
- O que é que você acha? - perguntou ao ajudante.
- Bem, todos me parecem culpados...
- Meu caro Wenceslau! Pensei que você já tivesse aprendido alguma coisa neste tempo todo em que trabalhamos juntos. As coisas nunca são como parecem ser. Quando tudo leva a acreditar numa hipótese, surge fato novo que desvia os rumos da investigação. Veja isto!
O ajudante, após receber o relatório das mãos do detetive e lê-lo, conclui, feliz com o seu achado:
- O velho estava arruinado?
- Sim! E ia anunciar amanhã a bancarrota da fábrica aos acionistas.
Enquanto isso, na sala, Eurípides dava esta mesma notícia aos outros. Nada lhes restara de herança, exceto a casa e um pequeno montante.
Candislaine apressou-se em calcular e segredou a Onório:
- Bom... Este velho mausoléu deverá render algum dinheiro...
- Certamente que sim. Porém, como se pode ver no testamento do velho, recentemente modificado, este pequeno espólio foi deixado para mim e para o velho Batista.
- Ele??? - os dois perguntaram.
- Eu??? - admirou-se Batista.
- Sim, senhor Batista. Saiba que nosso patrão lhe tinha muito apreço e, ao saber do destino da fábrica e da volúpia de sua - fez uma pequena pausa e depois completou com visível escárnio - esposa, decidiu mudar o testamento. Ela sairá de sua vida do mesmo modo que entrou, com uma mão na frente e outra atrás!
Candislaine não se conteve:
- Então, tudo o que fiz foi em vão?
Assim que pronunciou isso, ela levou a mão à boca, como se pudesse guardar de volta sua infeliz afirmação nela.
- Foi você, sua... - avançou sobre ela a secretária, sendo impedida de chegar às vias de fato pelo mordomo.
No quarto, Abelardo continuava explicando sua teoria a Wenceslau:
- Veja! O pobre homem não tinha mais nada além de um belo par de chifres. Não aguentou a derrota e a humilhação e resolveu acabar com a própria vida antes disso.
- Suicídio?
- Suicídio! - concluiu, quase feliz.
- Mas como ele fez isso?
- Ele sabia-se traído. Sabia o quanto a mulher e o sobrinho desejavam a sua morte para locupletar-se com a sua fortuna...
- Mas então, ia morrer completamente pobre? - deduz Wenceslau.
- Sim! Essa era a sua melhor vingança: morria, sem deixar nada, e ainda fazia recair a culpa naqueles que o traíam. E livrava-se da vergonha de ter que assumir uma falência com as suas consequências funestas. Vê este copo vazio, na mesinha de cabeceira? Cheire...
- Amêndoas amargas...
- Isso mesmo. Cianureto. Provoca convulsões, o que justifica o estado dos lençóis. Ele se debateu muito antes de morrer. Provavelmente, bebeu o veneno assim que a mulher entrou no banho.
- Ah! Foram esses os barulhos que ela ouviu.
- Isso! Vamos comunicar aos outros.
Desceram à sala, onde os aguardavam, ansiosos, Candislaine, Onório e Eurípides. O detetive Abelardo perguntou pelo mordomo. Ninguém percebera quando ele se ausentara da sala.
- O Batista? Aquilo ali é uma sombra - disse Candislaine com rancor. - Ninguém lhe percebe os movimentos.
Estaria no seu quarto, perguntou-se Abelardo, mandando o ajudante procurá-lo. Queria todos reunidos para o deslinde final do caso.
A secretária conduziu Wenceslau na busca do mordomo. Chegaram até o seu quarto. A porta estava entreaberta, entraram. Pendurado, em uma viga do teto, balançava-se o corpo de Batista, com a cabeça inclinada e o pescoço quebrado por uma corda com laço. No chão, o banquinho derrubado mostrava o procedimento utilizado pelo mordomo para se matar.
Em cima da cama, num papel escrito com caligrafia trêmula, algumas palavras sobre gratidão, inveja, cobiça e culpa. E, ao final, a confissão: “Fui eu!”
MORAL DA HISTÓRIA: O mordomo é sempre o culpado.
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Enviado por Nena Medeiros em 24/10/2011