Textos



Posso Ficar com Ele?
(Com Gy Emygdio)

 
Marcelinho voltava da escola, quando uma coisica preta e magrelinha passou chispando por entre suas pernas, indo se refugiar numa lixeira suspensa um pouco mais à frente.
Antes que ele pudesse ter certeza se era um gatinho, viu chegar o grande labrador dourado.
- Au! Au! Au! - latia ele, bem bravo.
Se Marcelinho não tivesse pulado para o lado, seria atropelado pelo cachorrão, que passou correndo e parou entre os pés da lixeira, apoiando as patas dianteiras no cesto, tentando morder lá dentro.
- Au! Au! Au! - fazia o cachorrão.
- Miau! Miau! - gritava o gatinho desesperado.
- Pobre bichano! - lamentou-se o menino.
Então, ele viu que o cachorro estava usando coleira e se aproximou cuidadosamente. Pegou a guia e chamou, puxando devagar:
- Vem, garoto, vem!
O cachorrão continuava bem zangado tentando pegar o gatinho, nem deu bola.
Marcelinho puxou um pouco mais forte.
- Vem! - ordenou, com firmeza.
O labrador parou de latir, desceu da lixeira e olhou para ele, ainda muito agitado.
- Isso! Muito bem... - elogiou ele, tentando acalmar o bicho.
Sem dar aviso, o monstrão pulou em cima do garoto, derrubando-o no chão. Deitado de costas, Marcelinho viu aquela boca enorme e cheia de dentes cada vez mais perto do seu nariz.
- Não me morde! Não me morde! - implorou ele.
Se o bichão entendeu ou se a idéia era esta desde o início, Marcelinho não sabe. Só o que ele sabe é que, ao invés de morder, o cachorro começou a lamber a cara dele.
- Não, não! Pára! Eu tenho cócegas! Pááára! - pedia o menino, quase sem respirar, de tanto rir.
- Zeus! Não! - gritou uma mulher.
O cachorro saiu de cima do garoto e correu na direção dela, feliz da vida.
- Senta! Seu feio! - ela brigou com ele. Ele sentou.
Ela, então, virou-se para Marcelinho:
- Você está bem?
- Acho que sim! - disse ele, se levantando.
- Desculpa o Zeus, viu? Eu estava distraída e ele saiu correndo...
- Não... Tudo bem. Normal. - disse o menino, sacudindo a poeira e limpando a cara babada na manga da camisa.
E ela, enquanto se afastava, com o cachorro saltitando ao seu lado:
- Só uma dica, viu? Nunca mais faça isso! Fosse outro, teria te mordido!
Marcelinho já ia explicando porque tinha agido assim, quando se lembrou do gato e correu até a lixeira para ver o bichano.
Encolhidinho e tremendo, lá estava o gatinho, só pele e osso e uns olhões arregalados para o menino, sem saber se ele representava uma ameaça, também.
Marcelinho pegou nele e, cuidadosamente, guardou-o dentro da jaqueta, que era larga o bastante para caber um gato pequenino como aquele.
- Você é um filhotinho, né? - ele conversava com o gatinho, enquanto corria para casa. - Aposto que está com fome!
O bichinho nem respondia, encolhidinho ali, no quentinho.
- Mãe, manhê! - Marcelinho entrou gritando. - Olha o que eu encontrei na rua! Posso ficar com ele?
E começou a contar a história toda, de como tinha salvo o gato da boca de um cão grandão que o tinha derrubado, de como ele tinha sido valente...
Mas dona Belinda nem o deixou terminar:
- Leva já isso embora! Que bicho mais feio e sujo! Deve estar cheio de doenças. - e empurrava o menino de volta para fora da porta.
Marcelinho saiu, inconformado.
- Ah, não! - disse ao seu novo amiguinho. - Depois de tudo o que você passou, não vou te abandonar de novo!
Correu para o fundo do quintal, e escondeu o bichano atrás de um pé de bananeira. Num pote de margarina colocou um pouco de água, fez uma caminha com uma caixa de sapatos, forrou com um pano velho e deitou ali o gatinho. Vendo-se aninhado, o pequenino descansou finalmente do susto por que tinha passado e fechou os olhinhos, exausto.
- Você não vai voltar para a rua, gatinho - sussurrou Marcelinho, olhando enternecido para o bichinho adormecido. - Eu vou cuidar de você. Vou te esconder de todo mundo, e vamos ser amigos. Mais tarde, venho te trazer comida, viu?
Depois do jantar, Marcelinho fez questão de ir dormir. A mãe ficou espantada com essa pressa em ir para o quarto. Era sempre uma dificuldade mandar o filho para a cama.
O que ela não sabia, é que ele só esperava uma oportunidade para sair. Assim que a casa aquietou, o menino levantou-se pé ante pé, pegou uma vasilhinha, encheu de leite e levou para o seu amiguinho.
- Gatinho! Ei, gatinho! - chamou. - O gato, fraquinho, abriu os olhos e, quando sentiu o cheiro do leite, avançou no prato e bebeu, bebeu, bebeu, até a barriguinha crescer, de tão cheia.
- Tava com fome, né? - e lembrou-se que o bichano não tinha nome. Pensou, pensou, viu aquela bolinha de pelos arrepiados, toda pretinha, e disse:
- Fofo! Você é muito fofo! Esse vai ser o seu nome.
Nos dias que se seguiram, a rotina era a mesma: antes de sair para a escola, ele levava o leite do gato Fofo e, assim que voltava, corria para vê-lo e brincar com ele. A mãe não desconfiou de nada, porque o quintal era grande, e o pomar escondia bem o menino e o seu gato.
Mas Marcelinho não sabia que leite de vaca dá dor de barriga em gatinhos filhotes. E o bichinho foi ficando triste e murchinho, o que deixou o menino muito preocupado. Não sabia o que fazer. Finalmente, num ato de coragem, resolveu falar com a mãe:
- Ele está doente, mãe!
- Ele quem, menino?
- O gatinho, mãe...
- Você não vai me dizer que escondeu aquele bicho aqui em casa! Onde ele está? - perguntou dona Belinda, furiosa.
Marcelinho ainda pensou em mentir, mas não ia adiantar. Precisava da mãe para socorrer o Fofo.
- No quintal.
Ela correu, com uma vassoura na mão, disposta a varrer dali o gato sujo. Mas, ao ver o arranjinho que o filho tinha feito, a caminha do gato, e este tão pequenino e indefeso dentro da caixa de sapatos, a raiva, a fúria, o nojo, tudo passou e ela percebeu que este serzinho dependia dela para viver.
Pegou nele, viu que estava muito quente e molinho. Não pensou duas vezes. Correu com ele para a Clínica Miau-Au, logo ali ao lado.
Enquanto aguardavam o atendimento, o menino acariciava o gatinho em seu colo:
- Fica bom logo, viu? - pedia ele, chorando baixinho.
O veterinário apareceu na porta do consultório e os chamou. Doutor Herculano era um senhorzinho grisalho e muito simpático. Gentilmente, pegou Fofo e o colocou sobre a maca, onde fez uma série de exames, ministrou vermífugo e indicou alguns medicamentos, com a orientação de voltarem dali a alguns dias para vacinar. Também sugeriu a castração.
- Castrar, doutor? Nunca! Que maldade! - disse ela, chocada.
Doutor Herculano, pacientemente, explicou a ela que o bichinho castrado está menos sujeito a doenças, fica mais tranquilo, arrisca-se menos, vive mais...
- Mas... Ele nunca vai ter filhotes?
- Não!
- Oh! Pobrezinho! - disse ela.
- Ah! Mas isso é bom! Quando castramos, diminuímos a quantidade de bichos nas ruas e assim, os que já existem têm mais chance de encontrar famílias para cuidar deles.
Dona Belinda olhava o filho, preocupada. Se algo acontecesse ao gatinho, o menino sofreria muito. O médico garantiu que era seguro.
- Bom! Vou decidir isso mais tarde. Agora, o importante é ele ficar bom logo.
O gatinho Fofo ganhou o direito a ficar dentro de casa, e a caminha dele foi colocada no quarto de Marcelinho que, radiante, cuidava dele com desvelo. Era ele quem avisava a mãe sobre o horários da medicação, e ele mesmo o alimentava, desta vez com a ração que o veterinário tinha indicado, própria para filhotes.
Fofo logo ficou bom, com tantos cuidados e mimos, e foi-se tornando um gatinho alegre e brincalhão, que corria e pulava pela casa toda e conquistou de vez dona Belinda, que nem pensou mais em se separar dele. Já fazia parte da família.
Na consulta de retorno, o doutor Herculano voltou a insistir sobre a importância da esterilização.
- Veja, dona Belinda. O Fofo agora é um adolescente, logo vai começar a fugir de casa, para paquerar as gatinhas da vizinhança.
Ele explicou que é nessas ocasiões que os animais se perdem, podem ser atropelados e se machucar nas brigas com outros machos.
- E mais! Tem gente malvada, que não gosta de gatos, joga pedras, chuta...
Marcelinho arregalou os olhos de medo. Já pensou? Onde já se viu, alguém fazer mal ao Fofo!?
Dona Belinda, convencida, concordou com a castração e marcaram a data.
No dia acertado, lá se foram Marcelinho, a mãe e Fofo, para a clínica. O gato ia feliz da vida com o passeio, apesar de estar faminto, por causa da jejum que precisou fazer. Os humanos iam apreensivos, porque, afinal, nunca tinham passado por essa experiência antes.
Na ante-sala, aguardavam que o doutor Herculano operasse o Fofo, atentos a qualquer barulhinho que vinha do centro cirúrgico. Dona Belinda rezava a São Francisco, pedindo que tudo corresse bem. O santo atendeu: não demorou muito, a porta se abriu e um auxiliar lhes entregou o Fofo, meio acordado, meio dormindo. Ele explicou que era por causa da anestesia e avisou:
- O doutor Herculano já vem falar com vocês. - depois, brincando com o Marcelinho, que parecia muito preocupado. - O senhor é o proprietário?
- Eu?? - espantou-se o menino. - Não! Ele não tem proprietário! Eu cuido dele, ele faz parte da família.
Doutor Herculano vinha chegando e ouviu este finalzinho de conversa. Sorrindo, concordou:
- Isso mesmo, Marcelinho. Animais não são mercadorias! São seres vivo! Não são propriedade de ninguém.
- Mas, se eles não têm dono, porque não deixá-los soltos? - perguntou o rapaz, provocativo.
- As ruas são perigosas... Quando nossos antepassados domesticaram os animais, eles se tornaram dependentes das pessoas para sobreviver.
Antes que o auxiliar fizesse mais alguma pergunta boba, doutor Herculano entregou a receita a dona Belinda, explicando direitinho tudo o que precisava ser feito para que o bichinho se recuperasse bem.
E Fofo se recuperou bem, cresceu forte, bonito, saudável, sempre muito bem cuidado pelo Marcelinho que depois de Fofo adotou outros bichinhos de rua, com a ajuda de dona Belinda.
E, sempre que alguém o elogia, dizendo que ele é um dono muito responsável, ele responde:
- Dono, não. Sou só responsável.
 

 

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Nena Medeiros e Gy Emygdio
Enviado por Nena Medeiros em 28/09/2011
Alterado em 11/11/2011


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