Para Sempre
Aos trinta e dois anos de idade, Ferdinando Meireles tornou-se o mais jovem ganhador do prêmio Nobel de Biologia. Graças às suas pesquisas, foi possível desenvolver um sistema perfeito para a conservação de alimentos, que eram mergulhados num tanque cheio de água e submetidos a fortes ondas magnéticas, capazes de destruir até a menor forma de vida ali presente. Em seguida, à água era adicionado um polímero atóxico, produzido a partir da seiva de eucalipto e saliva de insetos, formando uma camada protetora em volta deles, garantindo a mais absoluta resistência ao ataque de fungos e bactérias por períodos absurdamente longos. Acreditava-se mesmo que um alimento protegido dessa forma resistiria eternamente. Para o consumo, era necessário eliminar a proteção, o que era simples: bastava aquecê-lo ou lavá-lo em água gelada e pronto, lá estava ele, sem qualquer modificação em sua aparência, consistência, odor, sabor e composição química.
Uma invenção genial que revolucionaria a indústria alimentícia, eliminando desperdícios e promovendo uma melhor distribuição dos alimentos, inclusive às regiões inóspitas e aos povos mais pobres do planeta.
Após a cerimônia de premiação, Ferdinando viveu momentos agitados. Imprensa, governos e indústrias o assediavam constantemente e, às portas de seu laboratório, legiões de jovens cientistas reuniam-se, ansiosos por uma vaga em sua equipe. E muitas vagas foram abertas, diante da demanda pela aceleração das pesquisas que permitiriam a utilização de seu invento em escala industrial. Somente os melhores currículos foram selecionados e foi assim que Aliana foi contratada.
A atração entre os dois foi imediata, embora ninguém pudesse acreditar que ela, uma jovem tão simpática e gentil pudesse apaixonar-se por ele. Não que ele fosse má pessoa, mas era extremamente tímido e à boca pequena corriam boatos de que era meio louco e sentia mais prazer entre seus tubos de ensaio que no contato social.
Desconhecendo tais maledicências, o amor se instalou. Porém, Aliana logo percebeu que os boatos sobre ele eram bem mais do que ficção. Ferdinando costumava trancar-se nas salas de experimentos por dias, ficando inacessível, até para ela. Nas poucas vezes que ela tentou interrompê-lo, foi simplesmente ignorada por um Ferdinando insone e tenso, os olhos vidrados em seus relatórios e simulações. O namoro já era oficial, mas, nesses períodos, ela sentia-se só e infeliz. Ele, por outro lado, totalmente inexperiente nos assuntos do amor, era incapaz de demonstrar os sentimentos que nutria por ela e, quando ela deixava transparecer sua frustração, fechava-se ainda mais, acuado e ofendido.
Logo, um abismo se formava entre eles, enchendo-o do medo de perdê-la e, no caos de seu coração, uma terrível idéia ganhava forma e volume. Com o que ainda lhe restava de sanidade, lutava contra ela, mas seus temores tornavam-se cada vez mais sólidos e, numa bela manhã, Aliana decidiu romper o relacionamento. Ele chorou, pediu-lhe que reconsiderasse, disse que tentaria mudar para ela, por ela.
Seus argumentos foram em vão e ela permaneceu decidida. Porém, ante a insistência dele, concordou que ambos mereciam uma última noite romântica, uma despedida.
Como combinado, jantaram no seu restaurante favorito, assistiram a um deslumbrante espetáculo de ópera, e encerraram a noite entre os perfumados lençóis de cetim da cama dele. De madrugada, ele despertou e observou-a fascinado, enquanto ela dormia em seus braços. Era esse o momento que ele queria perpetuar. Levantou-se, cuidadosamente. Da gaveta da mesa de cabeceira, retirou a seringa de sedativos, cuidadosamente preparada desde a tarde anterior. Num golpe certeiro, injetou-lhe todo o conteúdo no braço frouxo:
- O que é isso? – perguntou ela, acordando assustada, e tentando livrar-se da mão que lhe tolhia os movimentos.
Ele a soltou.
- Eu te amo. Não posso perder você.
- Não! Você não me ama. Você não sabe o que é amor!
Tentando levantar-se, ela sentiu a vertigem.
- O que você injetou?... Você é louco! O quê... Você... – balbuciou ela, antes de tombar novamente sobre a cama.
Ele então levou-a até o chuveiro, onde tomou banho e a lavou. Em seguida, vestiu-a novamente e a levou ao laboratório.
No dia seguinte, quando chegaram para trabalhar, os colegas depararam-se que aquela cena macabra: dentro do tanque, jaziam os dois, abraçados e nus, conservados para sempre num momento de paz.
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Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 23/09/2011
Alterado em 23/09/2011