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Sol Nascente
Um feixe de luz atinge meu rosto, tirando-me do sono inquieto. Procuro sua origem e vejo, pela janelinha entreaberta onde meu pequeno vizinho se debruça, um magnífico sol nascendo. Ele percebe meu movimento e se desculpa:
- Quer que eu feche? - pergunta, sorrindo, solícito.
- Não, meu anjo, respondo. Gosta de ver o sol nascer?
- Sim! É lindo!! Daqui de cima, então... Sempre nas viagens, programo o relógio para me acordar a tempo de ver. - disse ele, mostrando-me o belo e caro relógio de pulso.
É um menino encantador. Continuo admirando-o equanto ele volta a olhar pela "escotilha". Tem os cabelos de um dourado escuro, quase loiros, quase morenos, bem lisos. Os olhos são claros, mas apresentam um fascinante degradê em espiral. Mais perto da pupila são de um verde muito intenso que clareia até tornar-se quase transparente no limite externo da íris. A limitá-la, quase como que para evitar que aquele verde-água todo se derrame, manchando o branco dos olhos, um aro castanho escuro. A pele delicada de pêssego nem muito clara como se corasse ao sol, nem tão escura como a de quem vive ao tempo. Apenas saudável. O nariz arrebitado, os lábios delicados e um encantador par de covinhas, acentuando-se a cada vez que ele sorria completavam um quadro digno de pintura. Também usa roupas de qualidade. Percebe-se que foi vestido por alguém que, além de recursos financeiros, tem muito bom gosto. Na véspera, logo que embarcamos, já havíamos conversado um pouco. Ele estava indo passar as férias com o pai, na Europa. A mãe o despachara aos cuidados da companhia aérea. Era assim há três anos, desde o divórcio, ele contou-me. Quando lhe perguntei se não temia viajar sozinho, uma sombra perspassou sutilmente aqueles lindos olhos verdes. Ele a afastou com firmeza. Imaginei como devia ser difícil para uma criança tão adorável estar sempre acompanhada por saudades e pela ansiedade das despedidas e reencontros. Ele deu de ombros, um tanto maduro:
- A gente se acostuma com tudo nessa vida. - respondeu.
Sorri. Pensei, mas não lhe disse:
- Nem tudo, meu anjo, nem tudo.
Se eu tivesse um filho, queria que fosse como ele. Mas... não posso correr esse risco. Não quero, não posso ser a responsável por transmitir a ninguém essa minha... doença. Ele continua admirando o sol. Peço-lhe que o descreva para mim.
- Oh! É lindo! Primeiro estava tudo escuro. Depois, bem naquele cantinho - e apontou a direção do nascente, sem dar-me possibilidade de olhar a janela com ele - começou um brilho alaranjado, que foi aumentando e se espalhando pelo céu e pela água. Ainda ficou assim uns minutos, antes que o sol finalmente aparecesse. Mas quando ele apareceu, derramou-se por tudo. Como o amor.
Fiquei surpresa com aquela descrição. Algum adulto tê-lo ia ensinado isso?
- O amor é como o sol nascente?
Ele olhou para mim, surpreso por eu nunca ter me dado conta disso.
- Sim!! Ele vem de fininho, aparecendo nos cantinhos da nossa vida e depois se espalha dominando tudo.
- Quem lhe disse isso?
- Minha mãe...
- Bonito. E verdadeiro.
- É sim. Mas ela é triste. O amor "deixou ela" assim.
- Não meu anjo. O que a deixou assim foi o desamor. O fim do casamento que ela esperava que fosse para sempre, a separação...
Ele olhou para mim, extasiado, como se eu tivesse encontrado a solução para um grande problema matemático que o vinha consumindo há dias. Essa admiração empolgou-me, prossegui:
- É mesmo como o sol. Ele vem de mansinho e logo ilumina tudo. Mas, em algum momento ele acaba e tudo volta às trevas.
- Mas no dia seguinte, ele volta...
- Exato. Em algum instante sua mãe voltará a amar. E tudo será luz em sua vida novamente.
Ele sorriu. Feliz. Recostou-se na poltrona, fechou os olhos. Pensei que faria mais perguntas. Animei-me com a idéia de prosseguir neste diálogo com ele, era uma forma de livrar-me de minhas próprias angústias. Mas, ele permaneceu absorto.
Recostei-me também. Ainda tínhamos algumas horas de vôo pela frente e era melhor que eu repousasse. Minha estadia seria curta para tudo o que planejava fazer.



Este conto é o primeiro capítulo de um romance que estou escrevendo...
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 12/09/2011


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