Porta-Retrato
Por anos, aturou suas grosserias, humilhações, mesquinharias.
Dizia-se acostumada com as atitudes dele, mostrava-se indiferente ao mal que ele lhe fazia, superior a essas coisas que entendia por comezinhas, insignificantes para ela, a esposa de um famoso astro da TV.
Em seu íntimo, porém, sabia porque o suportava: temia a solidão. Nem tanto por gostar de companhia, muito menos da companhia dele, mas porque a presença dele realçava a existência dela. Sozinha, era uma mulher comum. Ao lado dele, tornava-se atraente para outros homens, invejável para as outras mulheres. À sua sombra, era elegante, sedutora, especial.
E assim, ia vivendo sua vida como uma bela moldura, que só tinha valor quando ostentava a imagem dele.
Então, ele morreu. De repente, sem aviso. E ela, sinceramente desesperada, gritou, aos prantos:
- Por que não eu?
Sua angústia, a dor, o luto comoveram os fãs do morto e por algum tempo, foram só dela os holofotes. Logo acreditou ter brilho próprio e deixou de lado sua secundária posição na vida.
Não durou muito. Antes da badalada missa de sétimo dia, um escândalo envolvendo um ministro e uma atriz pornô devolveu-a ao quase anonimato.
E ela, esquecida e só, constatou:
- Quem nasceu para porta-retrato, nunca chega a Monalisa!
Este texto faz parte do Exercício Criativo - Porta-Retrato
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