Caos CriativoGostava de jogar caça-palavras. Sou um tanto eficiente na brincadeira de encontrar, naquele emaranhado de letras desconexas, vocábulos escritos na horizontal, na vertical ou na diagonal, às vezes de trás para frente.
Sendo mulher, há pouco mérito neste talento. É notória a característica feminina de visão seletiva, localizando em meio à bagunça, numa simples olhada, aquele objeto que o sujeito está há horas procurando. Se funciona para o armário de camisas do meu marido, é claro que funcionaria para um joguinho onde as letras, ainda que fora de ordem, estão perfeitamente alinhadas.
Também como mulher, sou meio metida a polivalente. Faço milhões de coisas ao mesmo tempo e, claro, acho que dou conta. Nem sempre consigo organizar objetos e idéias. Isso é especialmente problemático no trato de prioridades e prazos. Ultimamente, tenho ficado inadimplente em alguns pagamentos por puro esquecimento. Lamentável! Vergonhoso! Meu pobre paizinho que rebolava para manter o nome limpo deve estar se revirando na cova. Isto é, meu nome está limpo na praça, mas é meio feio receber as tais cartinhas de cobrança.
Sendo definitivamente mais clara, consigo me “virar” no caos em que se converteu minha vida de dias curtos para tantos desejos. Porém, confesso que gostaria de ser mais ordeira. Afinal, há um outro tanto de coisas que quero fazer e, no meio de tanta confusão, elas não cabem.
Já tentei melhorar. Comprei um livro intitulado Organize-se, entrei num grupo de discussão na internet onde o assunto era administração do tempo. Enfim, faltou-me tempo para ler o livro e acabei optando por sair do grupo, já que o excesso de mensagens aumentava a lotação de minha caixa postal e agravava a inviabilidade da minha agenda.
Seria cinismo afirmar que eu sou daquelas pessoas que funciona melhor sob pressão. Posso dizer que funciono “também” sob pressão, já que, invariavelmente, em meio ao meu descontrole, é o que me resta. Já a falta de qualidade no resultado disso, é outra estória.
Certamente, jamais poderia viver como a Selma, do filme A Partilha, dirigido pelo Daniel Filho. A personagem, interpretada pela Glória Pires, se submete às rotinas do marido, militar de carreira, cuja fixação por arrumação chega às raias do transtorno obsessivo compulsivo. É óbvio que tudo flui melhor numa casa como a deles, especialmente quando comparada à minha, onde óculos e chaves têm pernas mais longas que as das aranhas marrons e correm para esconder-se nos mais inacreditáveis lugares tão logo as deixemos sobre algum móvel. Penso que regras e a ordem agilizam o dia a dia e melhoram a convivência, já que todos conhecem seus papéis e agem de acordo com eles. Por outro lado, a criatividade, a alegria e a espontaneidade funcionam melhor quando há liberdade e esta é pouco afeita às algemas do bitolado.
E, por falar em bitolas, existe um texto apócrifo que circula na Internet há anos fazendo uma associação entre o tamanho dos tanques de combustível de foguete e a largura de duas bundas de cavalo, uma vez que as linhas de trem americanas (e seus túneis e pontes) por onde eles deveriam transitar foram construídos tomando por base o padrão usado na Roma antiga para o trânsito de bigas. Se o texto é verdadeiro ou apenas mais uma das invencionices tão comuns ao universo virtual, o fato é que, muito deixa de ser feito ou realizado, quando há limitadores demais.
Enfim, embora precisem de trilhos para correr, justamente por causa deles, os trens são incapazes de encontrar alternativas de trajeto, caso isso se faça necessário. Assim, quando a culpa por não tomar uma atitude quanto à bagunça que me rodeia começa a consumir alguns valiosos minutos dos meus dias, lembro que Deus só criou céus e terras porque antes havia o caos.
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Texto escrito para o 6° Desafio Literário da Câmara dos Deputados - Etapa 9.
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