Na Órbita do Próprio UmbigoVivo uma fase sem espelhos. Não por falta de vaidade, mas por questões práticas: desde que nos mudamos para a casa nova, há quatro anos, ainda não conseguimos contratar a colocação deles. Já viu o custo de um pouco de narcisismo? E de um muito? Um tantão assim de dar gosto a um decorador com vasta experiência em ambientação de shopping? Dava para trocar de carro! Foi o que fizemos.
Depois, compramos um espelho no supermercado, desses bem vagabundos que, apoiado na pia do banheiro, quebrava um galho. Infeliz escolha de palavras este “quebrava um galho”. O bicho em pouco tempo estava todo desconjuntado, moldura para um lado, vidro para o outro até que, há cerca de um mês, ele acabou reduzido a sete anos de azar. Agora, estou à procura de um vidraceiro para, finalmente, encher a casa com meus reflexos. Para quê negar? Assumo meu pecado: gosto da minha própria imagem. Incluindo a que o espelho não mostra e isto talvez explique essa minha pretensão literária que, segundo Aristóteles, nada mais é do que a busca pelo prazer do reconhecimento. De acordo com Milton Nascimento, “todo artista tem que ir aonde o povo está”, e penso que ele o faça mais pelo aplauso sincero, do que por dinheiro ou quaisquer outras coisas que este possa comprar, inclusive pessoas e aplausos não tão sinceros.
E isso não se restringe a quem vive de arte. Todos querem loas e ovações. Um elogio - ou a necessidade dele - tem força motivadora maior do que qualquer livro de auto-ajuda ou a ameaça do chinelo da mamãe. O lado bom disso é que, para atrair atenção e admiração, procura-se identificar e atender as necessidades e expectativas alheias. Pelo amor à nossa imagem, acabamos por nos tornar melhores ao outro.
Em contrapartida, se fosse hoje, Narciso não definharia e morreria por seu amor não correspondido. Tomaria uns antidepressivos, abandonaria seu reflexo lá no lago e sairia por aí cantando a música de Roberto Carlos, “só vou gostar de quem gosta de mim”.
Isto, porque vivemos um tempo em que se valoriza a independência emocional, a auto-suficiência, o individualismo. Ama-se, e ama-se muito, desarvoradamente, expressa-se isso de todas as formas, por todos os meios. Mas, se as coisas não dão certo, é partir para outra, não vale ficar sofrendo. O importante é ser feliz. Fazer feliz, nem tanto. Ao contrário, ninguém pode ser responsabilizado pela ventura ou desventura alheia.
E isso não se restringe às relações pessoais. Em nome da dignidade, qualquer ação que não vise dar condição de autonomia, é tachada de assistencialismo e condenada por sua ineficácia. Pais, governos, entidades humanitárias não devem fornecer o peixe, mas ensinar a pescar.
E assim, cada um caminha até o bambuzal, seleciona uma vara longa, flexível e resistente, corta-a com sua própria foice, passa-lhe a linhada, com anzol e isca e se posiciona no local adequado ao solitário exercício da paciência.
Bom mesmo é quando conseguimos deixar de orbitar o próprio umbigo para perceber que peixe fica mais gostoso com molho, arroz e salada e, enquanto uns cultivam a terra, outros preparam as receitas, para ao final, sentarmos todos juntos nesta mesa.
Texto escrito para o 6° Desafio Literário da Câmara dos Deputados - Etapa 2.
Clique aqui para ver o tema - provocação.