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Historinha Cabulosa


- Alô!
- Dona Zuleica? “É ieu”, a Helena.
- Helena! Que voz é essa menina? Tá chorando?
- Tô...
- O que houve, Helena?
- Olha dona Zuleica, tô ligando para dizer que não vou trabralhar hoje...
- Mas o que foi que aconteceu?
- Eu tô arrumando minhas coisas. Vô pra casa da Solange.
- Helena! Quer fazer o favor de me dizer o que houve?
- Esse canalha do Roberto chegou em casa bêbado, de madrugada! A senhora fala com ele, por favor...
- Peraí, Helena! Como é que eu vou falar com o...
- Alô?
- Roberto?!
- Sou eu, dona Zuleica! A senhora tem que me ajudar...
- O que é que está acontecendo, Roberto?
- Ela respeita muito a senhora, conversa com ela... Ela tem que acreditar em mim.
- Mas alguém pode me dizer o que foi que aconteceu, pelamordeDeus?
- A senhora sabe que eu estou trabalhando com meu primo no táxi, né?
- Ô! Como sei!
- Então, a senhora veja! Ontem de tardinha, peguei um passageiro, sem camisa com uma cara estranha, dizendo que tinha de pegar a mãe no hospital.
- Certo.
- Daí, ele pediu pra eu parar em frente à farmácia, pra esperar o irmão dele que ia também. Pois, de repente, vieram mais dois marmanjos correndo e entraram no táxi! Gritavam pra mim: “Vai, cara! Vai!”.
- E você?
- Fui, ué! Quando chegou mais à frente tinha um monte de quebra molas, eu reduzi a velocidade, o cara da frente se apavorou e puxou uma arma enorme, apontou para mim! Perguntou se eu tinha mais amor ao carro ou ao meu pescoço. Atochei o pé no acelerador, o carro saiu pulando!
- Mas, e aí? Eles queriam assaltar você?
- Não, dona Zuleica! Eles tinham assaltado a farmácia! Mais à frente, os dois desceram e entrou uma mulher com uma criança.
- Bom... pelo menos com a criança no carro você ficou um pouco mais seguro, né?
- Sei não, dona Zuleica! Eles falavam como se a menina não estivesse ali. E nem eu! Só falavam de drogas e armas e o cara contava de como eu tinha corrido na fuga! Eu achei que eu ia morrer, dona Zuleica!
- Jesus Cristo! Mas em que mundo nós vivemos?
- Por sorte, acho que eles gostaram de mim, brincaram comigo dizendo que meu carro estava caidinho, que podia desmontar a qualquer momento, e que eu devia tentar a sorte no tráfico que dava mais lucro e riam pra valer.
- E a criança vendo tudo isso?
- Tava lá, a pestinha! Eu olhava pelo retrovisor e ela lá de joelho no banco, arrancando o selo de vistoria do vidro, eu morrendo de medo de chamar a atenção, dei uma “cutucada” no freio pra dar um sustinho nela! Pois ela se estatelou no chão do carro!
- Você é louco, Roberto?
- Foi o que a mulher gritou. “Você é louco? Quer matar minha filha?” O cara pegou a arma de novo, só ficava falando para eu não tentar nenhuma gracinha, eu disse que foi um cachorro que atravessou na frente e parece que ele se acalmou. O cara era bandido, mas gostava de cachorro! Cada coisa!
- Para você ver...
- Quando chegamos na Estrutural, o cara falava com todo mundo, parecia candidato a distrital. No meio daquela farra, apareceram uns brutamontes apontando armas pra gente. Deram um esculacho nos dois porque me trouxeram até ali... Que eu ia entregar todo mundo...
- Roberto do céu!! E você?
- Eu, dona Zuleica, não dava um pio, não “passava nem agulha”, sabe como é...
- E aí?
- Aí que o meu passageiro só ficava repetindo que eu era gente boa, que eu era um cara esperto, que não ia fazer nenhuma besteira! Contou da fuga e contou que eu salvei um cachorro...
- E eles?
- Pagaram a corrida, me deram uma boa gorjeta e me intimaram a tomar uma cerveja com eles! Quem era eu naquele momento pra dizer não, dona Zuleica?
- É, Roberto, concordo com a Helena... Esta sua história tá difícil de acreditar...
- Ô, dona Zuleica! Mas é a mais pura verdade!
- Se for mesmo, Roberto, então está na hora de você largar esse negócio de táxi, meu filho! É muito perigoso! Por que você não volta para a distribuidora? A Helena disse que o dono já concordou em lhe dar o emprego de volta...
- Não tem jeito, dona Zuleica!
- Por que não, rapaz?
- Se eu voltar pra distribuidora, no dia em que for para a casa do primo ver o jogo e tomar umas, como é que eu vou arrumar uma história dessas para contar quando voltar para casa, dona Zuleica??


*****

Os fatos narrados aqui, como se mentiras fossem, são baseados em fatos reais,  compartilhados pelo meu primo, taxista no Rio.

Imagem daqui.

Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 24/08/2010
Alterado em 24/08/2010


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